Protesto dos polícias junto do Capitólio não estava autorizado. PSP vai comunicar ao MP
PSP vai comunicar factos ao Ministério Público, porque só havia autorização para protesto no Terreiro do Paço, organizado pela plataforma que congrega sindicatos da PSP e associações da GNR.
Muitas das centenas de elementos da PSP e da GNR que se concentravam esta segunda-feira à tarde junto ao Ministério da Administração Interna, na Praça do Comércio, em Lisboa, rumaram ao teatro Capitólio, onde dali a menos de uma hora vai começar o debate entre os dois principais candidatos a primeiro-ministro, Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro.
Mas antes disso fizeram ecoar o hino nacional no Terreiro do Paço. Ouviram-se palmas e apitos, muitos apitos, em mais uma acção de protesto por melhores condições salariais cuja principal exigência é um aumento do suplemento de ordenado idêntico ao atribuído à Polícia Judiciária.
A concentração é organizada pela plataforma que congrega sindicatos da PSP e associações da GNR. E os assobios repetem-se no Parque Mayer, junto ao Capitólio, onde os manifestantes vaiam quem está lá dentro e gritam: "Vergonha! Respeito! Polícia unida jamais será vencida!". Volta-se a cantar: "Heróis do mar, nobre povo...".
A PSP vai comunicar os factos desta noite ao Ministério Público, confirmou ao PÚBLICO o porta-voz da polícia, Sérgio Soares. O protesto que foi devidamente comunicado à Câmara Municipal de Lisboa previa a sua realização apenas no Terreiro do Paço. O percurso feito por centenas de polícias até ao Parque Mayer não estava autorizado e a própria polícia não tinha previsto nenhum dispositivo de segurança nessa zona.
A plataforma de sindicatos e associações profissionais demarca-se da situação. Os seus dirigentes mantiveram-se, ao longo da noite, junto do Ministério da Administração Interna, no Terreiro do Paço. Os polícias e militares da GNR que se deslocaram até ao Capitólio mantiveram-se ali durante todo o debate. Nenhum deles foi identificado pelos colegas ao serviço.
O agente principal João Pedro Veiga, de 51 anos, veio num dos três autocarros que trouxe de Coimbra profissionais das duas corporações. “Todos juntos somos um”, diz a camisola preta que vestiu para este protesto, bandeira nacional na mão como muitos dos seus camaradas. Viveu 18 anos em Lisboa entre camaratas e quartos e conhece as dificuldades por que passa um jovem polícia no início.
“Saímos da escola de polícia cheios de sonhos, com vontade de servir o Estado e as pessoas. O tempo passa e ficamos destruídos por dentro. Temos muitos deveres e devemos ter, mas não temos direitos”. Emociona-se e conta que veio a este protesto porque recorda as palavras do impulsionador do sindicalismo na PSP, José Carreiras, que morreu em 2003 na sequência de uma doença, ainda não tinha 50 anos.
“Partiu novo. Ele esteve no histórico momento dos 'secos e molhados'. Estava do lado dos molhados. Um dia disse-me: 'Já fiz a minha luta, agora é a vossa vez'. Tantos anos depois, continuamos a lutar e é por isso que estou aqui”. À pergunta se tem esperança de que o próximo Governo dê resposta às reivindicações dos polícias, João Veiga responde que se não tivesse esperança não estava ali. Mas a verdade é que nos seus programas nenhum partido colocou uma medida em concreta, assinala: “Só falam em valorizar as carreiras. Como? Isso ninguém diz."
Do Seixal vierem as agentes Elsa Alves e Fátima Quaresma, de 58 anos, e Ana Silva, de 57. São polícias há três décadas e meia e dizem que estão aqui pelos mais novos. “E pelo futuro deles”, acrescenta Elsa Alves. Ana Silva lembra que nos bairros considerados perigosos são os polícias fardados que vão à frente quando lá precisam de entrar. Já Fátima Quaresma diz com orgulho que já o seu pai era polícia, o marido é e um dos filhos também já abraçou a carreira. Se o tentou dissuadir? "Foi ele que meteu os papéis. Numa família de polícias o que lhe poderia dizer?" E esta segunda-feira também veio para a Praça do Comércio.
As três agentes recuam no tempo e recordam a quantidade de candidatos com que tiveram de disputar um lugar no ano em que se candidataram à PSP. “No nosso ano entraram 200 mulheres”, declara Elsa com orgulho. "Eram sempre mais de mil candidatos. Agora se chegarem aos 500 é uma sorte", lamenta Ana Silva.
Pedro Costa, o polícia que iniciou um protesto solitário defronte da Assembleia da República que alastrou a um país inteiro é motivo de orgulho para Elsa Silva: "Fez aquilo que os sindicatos não conseguiram fazer em anos. Uniu os polícias”.
PSP "depauperada por imperativos governamentais e falta de investimento"
Foi há mais de um mês, e desde aí que os protestos da classe não param. A concentração desta segunda-feira acontece depois de a plataforma ter organizado, em Janeiro, nos dias 24 e 31, manifestações em Lisboa e no Porto que juntaram milhares de elementos das forças de segurança e que foram consideradas as maiores de sempre, além de vigílias nos aeroportos de Lisboa, Porto, Faro, Ponta Delgada e Funchal e no porto marítimo de Lisboa. A plataforma tem ainda agendado, para 2 de Março, um encontro nacional de polícias da PSP e militares da GNR.
Apesar de não ter sido assumido como parte da contestação, vários polícias da PSP e militares da GNR apresentaram baixas, o que levou ao cancelamento de jogos da I e II ligas de futebol e a que o ministro da Administração Interna determinasse a abertura de um inquérito urgente à Inspecção Geral da Administração Interna sobre estas súbitas baixas. Também a nível interno e por determinação da Direcção Nacional da PSP já foram abertos inquéritos a situações de baixa de elementos desta força de segurança.
À hora a que os manifestantes rumavam do Terreiro do Paço para o Capitólio o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, divulgava uma missiva que endereçou ao Sindicato Nacional dos Oficiais da Polícia. Em resposta a uma carta aberta desta organização que aludia a uma PSP "depauperada por imperativos governamentais e falta de investimento", o governante elenca os investimentos efectuados em meios materiais nos últimos anos e anunciados para o futuro próximo.
"As expressões usadas na carta aberta para qualificar a actividade do Governo em matéria de valorização das forças de segurança contrastam com as percepções da comunidade nacional e internacional a propósito da GNR e da PSP, na medida em que as suas capacidades são, com frequência, objecto dos maiores elogios", observa José Luís Carneiro, acrescentando que, segundo dados do Eurostat, no período 2019- 2021 Portugal era o quarto país da Europa com o mais elevado rácio de polícias por cada cem mil habitantes.
Pelas suas contas, entre 2015 e 2023 verificou-se um aumento em 24,04% da massa salarial das forças de segurança. E apesar de reconhecer que "muito há ainda a fazer" na matéria, o ministro deixa um aviso: "Somente respeitando todas as regras do regime democrático é possível dar sustentabilidade à concordância prática entre, por um lado, a garantia da paz social, e, por outro, o progresso na dignificação das carreiras policiais".