Querem namorar “à antiga”, longe das aplicações de encontros. Como é que isso se faz?
Para encontrar um novo amor, é preciso estar aberto às possibilidades, dizem as psicólogas, que dão conselhos como descobrir um passatempo ou inscrever-se em voluntariado.
Terá sido um objecto inusitado a ligar Catarina ao namorado Raul. “Vi uma fotografia de uma máquina de escrever e acabei por o interpelar”, conta. O resto é história. Ricardo está uma fase de exploração do mundo real, depois de uma incursão pelas aplicações de encontros, onde só encontrou “pensos rápidos” para curar o coração depois de uma separação. Já Maria (nome fictício) recusa-se categoricamente a utilizar este tipo de plataforma, onde as pessoas se apresentam como um “bem”. Os três fazem parte do grupo que quer voltar ao “namoro à antiga”, fora da Internet — um cenário cada vez mais comum nos consultórios, dizem as psicólogas ao PÚBLICO, a propósito do Dia de São Valentim.
Não é que Maria não esteja aberta a uma nova relação. “Queria que fosse alguém com quem me identificasse de forma espontânea. Sinto que a minha vida podia ser enriquecida com alguém que a intensificasse”, conta. Nunca foi casada e depois de uma relação longa não voltou a namorar, nem anda activamente à procura de novo parceiro. “Tenho resistência a alguém que sente que precisa de outra pessoa e isso faz com que nem tente. Sinto que não vou encontrar alguém”, declara.
A professora universitária nunca chegou a utilizar as aplicações de encontros, como o famoso Tinder, por não se identificar com o funcionamento. “Não me sinto bem em apresentar-me como um bem. Além disso, quando recorremos a coisas forçadas, encerra um desespero ou necessidade que não me agrada”, insiste, garantindo que, todavia, tem facilidade em fazer amizades em contexto social.
Menos adverso às plataformas de encontros é Ricardo, 45 anos, que chegou a recorrer a este método depois do divórcio. “Deixei de ter resistência pela questão de conhecer pessoas novas fora dos contextos habituais, mas que tivessem projectos de vida semelhante”, explica. Foi “interessante”, categoriza, mas apenas para relações de curta duração e “encontros sem grandes expectativas”. E critica: “Um relacionamento que se baseie em mensagens não vai dar em nada. É preciso olhar nos olhos e perceber se há magia. Se não, é estar a perder tempo.”
É um cenário muito comum que a psicóloga clínica Diana Cruz, especialista em relações e terapia familiar, também relata. “Chamamos relacionamento ricochete. O que pretende é evitar o que se estava a sentir para não fazer o luto da relação anterior. Não têm grande base emocional”, detalha, colocando ênfase no processo de luto de uma relação. “É uma oportunidade de olharmos para nós.”
O que Ricardo procura — “alguém para partilhar momentos, viajar, passear ou ir a restaurantes” — acredita que não se encontra nas aplicações. E é também o que relatam os pacientes de Diana Cruz, que falam da necessidade de “contacto pessoal”, longe da “ilusão de segurança do digital”. Uma vontade que se encontra não só em gerações mais velhas, mas também em jovens, diz. “Querem voltar aos tempos do namoro à antiga e é cada vez mais difícil.”
Uma dificuldade que não se coloca apenas nos namoros, mas também nas amizades na vida adulta, concorda a psicóloga e sexóloga Joana Almeida. “Basta ir a um parque infantil e ver a facilidade com que as crianças fazem amigos. É uma leveza que precisamos de levar para a vida.” Para isso, "há um trabalho pessoal e social” a fazer, reforça.
Para Ricardo, as oportunidades surgiram na diversão nocturna ou no padel, até porque o grupo de amigos se “dissolveu” depois do fim da relação de duas décadas. “Procuro estar fora, porque quando se deixa de viver com os filhos a tempo inteiro, a casa deixa de ser um sítio interessante para estar”, relata, confidenciando que está a conhecer uma potencial namorada, a que chama “um investimento”.
Como criar oportunidades
Apesar de não ter “investido” tanto, Catarina encontrou o namorado graças a um interesse em comum. Raul era presença frequente no seu feed de Instagram e, quando se divorciou, começaram a interagir sobre máquinas de escrever. “Trocámos algumas mensagens e ele convidou-me para um grupo de Facebook sobre este tema”, recorda. Entretanto, foi também ele a ajudá-la a comprar a sua primeira máquina de escrever.
Tudo isto à distância, sem nunca se terem conhecido. Foi então que Raul deu o primeiro passo e a convidou para uma visita ao Museu da Máquina de Escrever, na Golegã. “Não imaginei que pudéssemos ter tanto em comum”, conta Catarina, acrescentando que sempre acreditou que existisse “mais alguém” para si depois do divórcio.
Estava aberta até à possibilidade de utilizar plataformas de encontros, mas “o modo de funcionamento do Tinder” assustou-a. “Nesta fase da vida, estamos mais conscientes do que queremos ou não. A maturidade também nos dá outra possibilidade para escolher. O que queria era encontrar o amor e encontrei”, declara.
O seu único receio, continua, era a reacção do filho de oito anos. “Não queria que ele sentisse a mudança de forma brusca. E também tive receio pela família que, sendo conservadora, não ia ver com bons olhos irmos viver juntos. Acabou por não se verificar.”
Este é um anseio que a psicóloga Joana Almeida lamenta ainda recair muito nas mulheres. “Para um homem, arranjar uma namorada depois da separação é natural. Partimos do princípio de que tem direito a ter necessidades afectivas e sexuais. Para uma mulher, é mais difícil voltar a namorar e permitir apaixonar-se”, nota a sexóloga.
Sim, porque é preciso permitir apaixonar-se. “A faísca pode surgir sempre, mas depende da abertura e da sorte. A atitude difícil é colocarmo-nos em situações em que vamos falhar, em que o ‘não’ está garantido. Quem tem mais sucesso é quem não se sente rejeitado em cada não”, assevera. Essas vulnerabilidades podem ser ultrapassadas com psicoterapia, lembra.
Com a mentalidade certa, “desde que haja consentimento e respeito”, é possível “meter conversa em qualquer situação”. Joana Almeida lembra que o local de trabalho é um dos sítios mais comuns para encontrar um novo parceiro, “pela quantidade de tempo que lá passamos” e a proximidade que se vai gerando.
Mas não é a única oportunidade e pode ser preciso alargar a rede “periférica”, “voltar a interessar-se por coisas fora das paredes de casa”, propõe, por sua vez, Diana Cruz, autora de Não é Amor, É Uma Relação Tóxica. A psicóloga exemplifica: “Inscrever-se num desporto, encontrar um novo passatempo, um grupo de caminhada ou de tricô, aprender a fazer escultura, fazer um workshop de culinária ou ir a um jantar-surpresa, onde os outros convidados são desconhecidos.”
Em todos estes sítios, é possível encontrar pessoas com interesses em comum. “No fundo, estamos a fazer o trabalho do algoritmo. E podemos fazer pequenas experiências sociais, como sorrir às pessoas na rua”, compara Joana Almeida, que acrescenta nas sugestões a inscrição numa associação de voluntariado.
Onde quer que seja, Diana Cruz só pede que se ajustem as expectativas. “É preciso paciência e tolerância. E deixar cair a comparação, focando na comunicação, sendo claros no que queremos e precisamos”, termina. Depois, o amor pode acontecer.