“Vários anos” depois, chegam ao mercado os vinhos de Castas Únicas da Pedra Cancela

Terrantez, Uva-Cão, Douradinha, Malvasia Preta e Monvedro são os primeiros vinhos varietais do Castas Únicas, projecto da Lusovini que recupera castas que estavam quase desaparecidas no Dão.

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Sónia Martins e os primeiros cinco vinhos do projecto Castas Únicas Anna Costa
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Ao fim de "vários anos" de um trabalho aturado de identificação genética de um património vitícola em risco de desaparecer, chegaram ao mercado os primeiros vinhos do projecto Castas Únicas, da Pedra Cancela — grupo Lusovini —, no Dão. Cinco vinhos varietais, de uvas com nomes esquisitos, cultivadas numa tal de Vinha da Fidalga e feitos, para já e com o objectivo de conhecer melhor essas castas esquecidas, "sem intervenção", explica Sónia Martins, presidente executiva da Lusovini e principal responsável pela enologia na empresa.

A vontade de trabalhar essa diferenciação é antiga e está intrinsecamente ligada ao conhecimento que Casimiro Gomes, sócio e anterior presidente da Lusovini, tem da região do Dão. Mas ganhou forma quando a empresa encontrou e adquiriu uma propriedade de 25 hectares em Carregal do Sal, explica Sónia Martins. Já ali existira vinha, mas em 2015 essa "vinha estava morta". E para colocar na Vinha da Fidalga (17,5 hectares, mas apenas 3,5 afectos ao projecto Castas Únicas; a restante área é de floresta) 12 castas há muito abandonadas na região, quatro tintas e oito brancas, foi preciso "fazer um trabalho que durou vários anos".

"Tivemos de fazer a plantação de bacelo e depois tivemos de ir enxertando em diferentes anos, porque não tínhamos material vegetativo para fazer a área toda de uma única vez", explica Sónia Martins. Para conseguir as varas, com vista à multiplicação, foi preciosa a colaboração com o Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão, em Nelas, e com alguns enxertadores.

"Iam-nos dizendo que sabiam, aqui e ali, de algumas plantas." Essa parte, "arranjar os garfos para fazer a enxertia", foi a "mais difícil", explica a enóloga, e única mulher entre os oito sócios da Lusovini. "Porque havia castas em que só existiam quatro, cinco, seis plantas. Só a partir de 2022 conseguimos ter a vinha mais ou menos estruturada e mesmo assim temos algumas plantas em que temos dificuldade em multiplicar." Uma vinha com castas e videiras a diferentes velocidades, o que faz com que tudo demore mais tempo.

Com a ajuda do consultor de viticultura Amândio Cruz, foi feito o tal trabalho de identificação genética das castas. E hoje a Vinha da Fidalga tem, "em média, mil plantas de cada uma dessas castas". ​Terrantez, Uva-Cão, Douradinha (brancas), Malvasia Preta e Monvedro (tintas) são as cinco já engarrafadas, colheita de 2022.

Os mostos foram fermentados com recurso a "leveduras neutras", para preservar o perfil aromático dos vinhos, e a vinificação e o estágio foram feitos em cubas de inox, mas, uma vez terminado o 'namoro', a ideia é que os vinhos possam vir a ser mais trabalhados, recorrendo ao estágio em madeira (por exemplo, para dar estrutura ou domar a acidez), a leveduras seleccionadas (para vincar ainda mais os aromas de castas mais exuberantes, como o Terrantez) ou a outras técnicas e produtos enológicos.

Edições que andam entre as 1.000 e as 1.500 garrafas, os cinco vinhos chegaram ao mercado em Fevereiro e estão à venda (34 euros) na loja da Pedra Cancela, em Nelas, e um pouco por todo o país, em garrafeiras de referência. A estratégia de comunicação do projecto passa precisamente por aí. E, depois de apresentações em Braga, Gaia e Matosinhos, a Lusovini levará as Castas Únicas a provas na garrafeira Imperial (Lisboa, 13 de Março), na D. Vinho (Coimbra, 15 de Março), na Garrafeira 5 Estrelas (Aveiro, 16 de Março) e na garrafeira Azevedo (Viseu, 28 de Março).

A presidente executiva da Lusovini, Sónia Martins, acredita que, de entre as castas esquecidas do Dão, serão as variedades brancas que "farão maior diferença no futuro" Anna Costa
A Pedra Cancela lançou em Fevereiro os primeiros cinco vinhos do projecto Castas Únicas, os brancos são varietais de Terrantez, Uva-Cão e Douradinha Anna Costa
A Vinha da Fidalga, em Carregal do Sal, onde a Lusovini recuperou castas esquecidas que estavam em risco de desaparecer no Dão Paulo Novais / Lusa
Entre as variedades tintas que a Lusovini recuperou também há castas com a acidez muito marcada e que dão vinhos muito gastronómicos, como a Malvasia Preta Anna Costa
Sónia Martins está à frente da Lusovini desde Maio de 2020 Anna Costa
O grupo que tem no Dão a Pedra Cancela exporta 70% da sua produção — anualmente, 800 mil garrafas no conjunto das quatro regiões onde está presente Anna Costa
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A presidente executiva da Lusovini, Sónia Martins, acredita que, de entre as castas esquecidas do Dão, serão as variedades brancas que "farão maior diferença no futuro" Anna Costa

Garante de futuro

Sónia Martins não esconde a emoção por "ao fim deste tempo todo" poder "ver o resultado" do projecto e vaticina que, mais do que uma semente para o futuro da empresa que lidera, estas castas únicas, algumas já trabalhadas por outros produtores no Dão (como a Casa da Passarella ou a Quinta das Maias), podem garantir futuro à região. "São castas com muito mais acidez, que se calhar vão adaptar-se melhor às alterações climáticas, e isso é muito importante. Nos brancos, falamos de castas com uma acidez total muito alta, se calhar até mais alta que a do Encruzado, que é hoje a nossa casta com maior poder de evolução. Estas castas podem vir a compensar aquilo que vai ser a falta de acidez da Malvasia Fina, do Bical e de outras variedades da região."

Não sendo a casta mais ácida, a Douradinha (leia a crítica do jornalista José Augusto Moreira) é a que em prova parece mais acídula e, segundo Sónia Martins, de entre as três brancas já lançadas "a que terá maior potencial de envelhecimento". É, no entanto, uma uva sensível à podridão, não gosta mesmo nada de humidade.

Para a enóloga que um dia sonhou ser enfermeira (inconsciência da idade, Enologia em Vila Real foi a última opção que colocou na candidatura, acabou por ir bater à Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e a cadeira de Ciências Agrárias mudou-lhe a vida), são as variedades brancas que "farão maior diferença no futuro", mas, nota, entre as tintas que a Lusovini recuperou também há castas com a acidez muito marcada e que dão vinhos muito gastronómicos, como a Malvasia Preta (que, já agora, também existe no Douro, onde é trabalhada pela Real Companhia Velha, no projecto Séries, tal como acontece com o Cornifesto — já lá vamos).

"As tintas que nós temos caracterizam-se por terem muito menos cor, muito menos estrutura e uma elegância de taninos a que não estávamos já habituados. E de álcool têm 12% / 12,5%. Para mim, essa foi uma das razões de essas castas tintas terem deixado de existir." Porque, concretiza, "nos últimos 20 a 30 anos", a moda era outra — vinhos mais estruturados, muito extraídos, mais pesados.

O projecto Castas Únicas contempla outras sete castas — as brancas Arinto do Interior, Gouveio, Rabo de Ovelha, Luzidio e Barcelo e as tintas Coração-de-galo e Cornifesto. "Em princípio, lançaremos mais algumas castas em Outubro / Novembro. E há castas [das 12 que o projecto contempla] que só teremos da colheita de 2023 [as duas tintas que faltam lançar]."

Dessas outras variedades ainda por lançar, há uma que se destaca pelo desafio que coloca à enologia. "Se me perguntar, eu não sei se o Luzidio vai estar bebível daqui a meio ano, daqui a um ano, daqui a dois ou daqui a três. Mas vai chegar lá, seguramente. É um vinho com uma acidez muito, muito, muito marcada."

A Lusovini também está presente nas regiões da Bairrada, Alentejo e Douro, mas é no Dão que tem o seu foco e onde produz anualmente 500 mil garrafas por ano, a maior fatia da produção total do grupo (800 mil garrafas), que exporta 70% dos seus vinhos e está em 22 mercados. Só em Portugal, a empresa tem 80 referências.

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