Enormes alfinetes na roupa dão nas vistas, mas não são apenas uma opção estética

As passerelles e as passadeiras vermelhas, desde os Emmys até à semana da alta-costura de Paris, têm revelado enormes alfinetes, lápis e hastes. Porquê?

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Aubrey Plaza nos Emmys a usar Loewe AUDE GUERRUCCI/REUTERS
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Os colarinhos espetados já fazem parte da nossa consciência cultural. No ano passado, a revista Vogue ungiu os alfinetes de peito como o "derradeiro acessório de 2023". Desde então, têm surgido nas passadeiras vermelhas e nas passerelles hastes proeminentes espetadas nas peças de vestuário.

Começou com a realizadora de Vidas Passadas, Celine Song, que usou umas calças com um alfinete gigante como cinto nos Globos de Ouro, uma criação de Jonathan Anderson para a Loewe. Aubrey Plaza, embaixadora da marca espanhola, tornou o alfinete ainda mais proeminente na parte superior do vestido que usou nos Emmys.

No desfile da Schiaparelli durante a semana de alta-costura de Paris, o bebé robô transportado por Maggie Maurer pode ter roubado atenções, mas foi um colarinho com um lápis enfiado nos cantos a acrescentar um tom mais subtil de surrealismo.

Um vestido da colecção da AZ Factory alargou ainda mais a ideia, com o que parecia ser um varão de cortina prateado que ia de ombro a ombro.

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Celine Song nos Globos de Ouro Reuters/MIKE BLAKE

O que é que devemos pensar destas peças? Há algo de muito violento em jogo: afinal, o tecido está a ser esfaqueado.

A directora do Museu do Instituto de Tecnologia da Moda, Valerie Steele, vê inspiração no movimento punk dos anos 1970. “Os alfinetes-de-ama estavam a perfurar a pele e o tecido, o que era, obviamente, visto como muito, muito agressivo”, contextualiza.

Desde então, Vivienne Westwood e a Versace transformaram os alfinetes em objectos de alta-costura. Recentemente, Miley Cyrus desfilou na red carpet dos Grammys com um vestido de alta-costura Maison Margiela feito a partir de 14 mil alfinetes-de-ama.

Steele vê um antecedente ainda mais antigo na fíbula, um acessório metálico usado para prender peças de vestuário, com origens já no século VII a.C. “Claro que os punks não sabiam disso”, observa.

As golas esfaqueadas de hoje são também uma homenagem ao artesanato. Os designers estão a mostrar o seu trabalho.

O lápis Schiaparelli e o alfinete de vestido Loewe acrescentam ferramentas de design a uma peça de roupa acabada. As hastes longas, como a do vestido da AZ Factory, não são normalmente ferramentas executadas por uma costureira. São sim uma forma de colocar em primeiro plano o trabalho que a haste desempenha na sustentação da peça de vestuário e uma dica para mostrar os processos que tornam o design possível.

Também remete para o vestido de Bob Mackie com varão de cortina que Carol Burnett usou na sua paródia de E Tudo o Vento Levou, que foi para o ar na televisão em 1976, e era uma piada sobre a determinação de O'Hara em tirar partido da adversidade.

O colarinho Schiaparelli tem um precursor ainda mais claro: uma camisa feita pela artista Pippa Garner que foi fotografada por Tim Street-Porter em 1987. A fotografia mostra a artista a usar uma camisa de homem com um lápis enfiado nas pontas do colarinho. O trabalho de Garner aborda frequentemente a forma como o género e a identidade podem ser construídos e desconstruídos.

Garner ficou contente ao ver a sua criação a encontrar nova vida. “Gerou outra versão de si própria e talvez essa faça o mesmo daqui a algumas décadas”, afirma. E acrescenta: “Acho que está tudo bem, não tenho qualquer objecção. Considero-o um elogio.” Até porque, uma vez concluída uma peça, não pensa muito nela. “Quando está pronta, penduro-a num cabide, ponho-a no armário e procuro outra.”

Não se trata apenas de uma figura de estilo. Enquanto fazia pesquisa para escrever a biografia de Pippa Garner, a escritora Fiona Duncan encontrou a camisa, com lápis e tudo, pendurada no armário da artista. “Penso que é o próprio criador a assinar o seu trabalho”, disse Duncan sobre o lápis que atravessa o colarinho, acrescentando que o surrealismo influenciou o trabalho tanto de Garner, como o de Elsa Schiaparelli.

O alfinete gigante da Loewe faz parte de uma tradição de designers que utilizam o processo de construção como referência nas suas peças de vestuário acabadas.

Alexander McQueen apresentou um robô a pintar o vestido de Shalom Harlow durante um desfile em 1998. Viktor & Rolf encenaram espectáculos com representações exageradas de criação e destruição.

Martin Margiela recorreu fortemente a pontos, forros e arestas inacabadas no seu trabalho, personificando o que a designer belga Linda Loppa descreveu uma vez como uma “estética do inacabado”. Por cá, em 2021, Nuno Baltazar apresentou uma colecção em pano-cru — o tecido utilizado nos ateliês de alta-costura para cortar moldes e fazer os protótipos.

Nenhum destes looks parece inacabado, mas cada um deles tem uma lembrança clara da mão que o criou. Sem o lápis, não há esboço. Sem o alfinete, não há ponto. Sem a vara, o vestido cai. Retire o ser humano e a arte desaparece. Um lembrete para 2024.


Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post
Tradução: Inês Duarte de Freitas

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