Uma vitória agridoce para o PSD, um sinal de esperança para o país

Os democratas têm muito trabalho a fazer. E o primeiro é falarem uns com os outros.

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Se virmos os Açores como uma enorme sondagem sobre as tendências de voto a nível nacional (as especificidades, que as há, não se comparam com as da Madeira, governada pelo PSD desde 1975), a primeira conclusão que podemos tirar é que os eleitores se mobilizaram muito mais para exprimirem a sua vontade política do que nos últimos muitos anos. Mais 11 mil pessoas votaram, o que representa mais 5% dos eleitores.

Desta vez, mais de metade dos inscritos compareceram nas mesas de voto e isso é um sinal de que os açorianos sentiram a obrigação de votar e fizeram-no em torno dos maiores partidos – a coligação liderada pelo PSD de um lado e o PS do outro. Somados, contabilizam quase 80% dos votos. A morte do bipartidarismo parece, pois, estar a ser prematuramente anunciada.

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É um sinal de esperança importante num país onde a percepção pública do crescimento dos extremismos – nas sondagens e nas ruas – começava a aterrorizar os democratas. No recato da cabine de voto, no fundo das suas incertezas, os portugueses começam a perceber os riscos dos votos de protesto emocionais dados ao sabor dos ventos deste tempo incerto. Ainda assim, não é possível ignorar que o Chega duplicou o número de votos, de cinco para dez mil.

Ainda assim, a coligação PSD-CDS-PPM é a grande vitoriosa da noite: cresce em número de votos e tem mais um mandato do que os três partidos somados alcançaram em 2020 e fica muito à frente do PS, já não precisando de fazer “geringonças” para governar como fez há pouco mais de três anos com o Chega e a IL. Agora, tem a legitimidade intacta para formar governo, embora ainda falte saber qual vai ser o partido que deixa passar o seu programa de Governo, imprescindível nos Açores, ao contrário do que acontece no Governo da República.

Mas é uma vitória agridoce para o PSD e sobretudo para Luís Montenegro, que vai começar os debates esta semana e depois a campanha eleitoral a repetir que não fará qualquer apoio com o Chega, enquanto nos Açores o seu partido pode estar a negociar com o partido de André Ventura, que se faz caro e já exige participar no executivo regional.

Não vai chegar a Luís Montenegro refugiar-se na autonomia regional. Se quer ter credibilidade nacional, tem de colocar linhas vermelhas a José Manuel Bolieiro e impedir, não só qualquer solução governativa com o Chega, como limites a toda e qualquer negociação que venha a fazer com um partido que quer mudar o sistema político por dentro. Porque não haja dúvidas: mesmo que seja o PS a garantir a passagem do programa da coligação, durante os próximos quatro anos muitas vão ser as negociações com o Chega a que os açorianos vão assistir.

Mas a responsabilidade não é só do PSD: também o PS deve fazer uma profunda reflexão sobre estes resultados e o que eles dizem ao país. A sondagem da Católica que lhe dava uma vitória sobre a coligação, ainda que curta, não se concretizou. E os protestos que se multiplicam no país – polícias, médicos, bombeiros, professores – são mais reais que os números das sondagens com que os socialistas se deixam embalar. Os democratas têm muito trabalho a fazer. E o primeiro é falar uns com os outros.

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