Ministério Público pede ida de Rui Pinto a julgamento mas admite amnistia parcial
“Aplicação da amnistia tem sido controversa”, justifica procuradora. Benfica e Igreja Universal do Reino de Deus defendem que pirata não tem direito a medida de clemência.
O Ministério Público pediu nesta sexta-feira em tribunal que Rui Pinto seja julgado no segundo processo judicial em que está, uma vez mais, acusado de pirataria informática. A procuradora Vera Camacho admite, porém, que venha a ser amnistiado em relação a 134 dos 377 crimes que lhe são assacados desta vez, por via da vinda do Papa a Portugal, tendo deixado essa decisão para a juíza de instrução.
“A aplicação da amnistia tem sido uma questão controversa nos tribunais de primeira instância e ainda não existem decisões dos tribunais superiores”, justificou a magistrada no debate instrutório do processo. Já dois dos queixosos, o Benfica e a Igreja Universal do Reino de Deus, garantem que o arguido não reúne condições para beneficiar destas medidas de clemência.
Condenado a uma pena suspensa no caso Football Leaks, o autoproclamado denunciante foi alvo de uma segunda acusação no Verão passado por delitos igualmente relacionados com intrusão informática no Benfica, Futebol Clube do Porto e outros clubes de futebol, organismos do Estado, juízes, procuradores, empresas de Isabel dos Santos, escritórios de advogados e jornalistas do grupo Cofina, que integra os jornais Correio da Manhã e o Record.
Nem a Autoridade Tributária escapou a Rui Pinto, que acedeu pelo menos 172 vezes ao domínio “at.gov.pt” sem ser notado durante vários meses. Revela o MP que, no dia 21 de Março de 2017, entrou no sistema com as credenciais da directora-geral da AT, Helena Alves Borges. "O arguido manteve acesso à estrutura informática da AT pelo menos até 31 de Outubro de 2018, tendo acedido, exfiltrado e guardado nos seus dispositivos vários documentos e mensagens contidos em caixas de correio electrónico de colaboradores e em estruturas internas do sistema informático que não foi possível concretizar", lê-se na acusação.
A curiosidade de Rui Pinto levou-o ainda a exfiltrar o email do advogado de Cristiano Ronaldo, Carlos Osório de Castro. A caixa de correio electrónico, segundo o Ministério Público, “continha informação sobre processos judiciais ou outros em que figurava como interveniente Cristiano Ronaldo”.
A estrela internacional do futebol viu-se envolvida num caso de alegada violação, com a publicação germânica Der Spiegel a apontar um acordo de silêncio assinado entre o jogador e Kathryn Mayorga, a suposta vítima. A antiga modelo norte-americana afirmava que o jogador a teria obrigado a praticar sexo anal, no contexto de um encontro consensual, apesar de lhe ter pedido várias vezes que parasse. Ronaldo acabaria por não ser julgado e viria mesmo a ser indemnizado.
Rui Pinto conseguiu, inclusive, ter acesso à intranet da PSP, ao sistema estratégico de informação e ao portal social, onde constam os dados de identificação, do agregado familiar, recibos de vencimento, marcações de férias e demais informações.
O pirata informático terá ainda acedido à Rede Nacional de Segurança Interna e às credenciais de um técnico informático junto da secretária-geral do Ministério da Administração Interna, que configurou no seu sistema operacional. “Na sua caixa de correio, este informático mantinha mensagens de email com relatórios de segurança informática para o universo da Ministério da Administração Interna, nos quais dá conta de detecção de problemas de segurança informática, relatórios estatísticos do help desk e comunicações regulares ao nível do apoio informático que prestava”, diz também o Ministério Público.
Espiada foi igualmente, entre 2017 e 2018, a Igreja Universal do Reino de Deus. Rui Pinto acedeu a emails que continham dados sobre a legalização de pastores estrangeiros, assim como sobre arrendamentos e aquisição de imóveis. A instituição religiosa defende, tal como o Benfica, que o pirata informático não deve beneficiar da amnistia.
Defendem os advogados do clube desportivo que os crimes que o pirata cometeu quando já tinha passado dos 30 anos, mesmo não tendo feito ainda os 31, não são amnistiáveis: "Ao prever uma idade compreendida entre 16 e 30 anos para os beneficiários destas medidas, o legislador teve a intenção de excluir todos os outros sujeitos menores de 16 anos e maiores de 30 anos. Como é, evidentemente, alguém que tenha 30 anos e 1 dia".
Rui Pinto não está presente neste debate instrutório: foi a Paris colaborar com autoridades europeias nalgumas investigações. Está a ser ouvido como testemunha por magistrados e investigadores franceses, mas também poderá vir a ser inquirido sobre o que sabe por magistrados alemães, belgas e neerlandeses, no quadro de uma cooperação activa com as autoridades europeias.
No dia 22, a juíza de instrução dirá se existem ou não indícios suficientes para levar Rui Pinto a julgamento. A defesa de Rui Pinto queixa-se de sobreincriminação do seu cliente, dada a multiplicidade de crimes pelos quais é responsabilizado - um por cada acto de pirataria.