Longe de derrotados, jihadistas de Cabo Delgado querem conquistar populações para a causa

Ocupação da vila de Mucojo é a primeira conquista significativa desde a expulsão de Mocímboa da Praia em 2021. “O grupo sofreu bastante” e agora quer garantir uma logística de “forma mais discreta”.

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A força ruandesa está presente em Cabo Delgado desde Julho de 2021 para combater os jihadistas JEAN BIZIMANA/Reuters
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A Batalha de Mucojo, que tem uma entrada de Wikipédia, começou a 22 de Abril de 2021 e terminou a 29 de Outubro desse mesmo ano, com a expulsão dos insurgentes da vila costeira do distrito de Macomia, na província de Cabo Delgado, pelas forças do Ruanda e da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC). Dois anos depois, os insurgentes que desde 2017 travam uma guerra religiosa na província do extremo norte de Moçambique voltaram a ocupar a vila, obrigando os militares moçambicanos a abrir mão da posição estratégica.

Entre uma e outra ocupação de Mucojo, a uns 200 quilómetros da fronteira com a Tanzânia, o grupo conhecido por Al-Shabab entre os moçambicanos sofreu muitas baixas, perdeu vários dos seus comandantes, viu serem-lhe interrompidas as cadeias de abastecimento, tendo deixado as aglomerações urbanas para se refugiar em pequenos grupos nas florestas.

A tal ponto que o Governo moçambicano se sentiu próximo da vitória, a missão da SADC (SAMIM, na sigla em inglês) confirmou esta semana a sua retirada completa até 15 de Julho e a petrolífera francesa TotalEnergies pondera o levantamento da força maior no seu projecto de exploração de gás natural liquefeito na bacia do Rovuma, em Afungi, no distrito de Palma.

No entanto, os insurgentes voltaram a emergir nas últimas semanas de 2023 e primeiras de 2024, com vários ataques na zona costeira que culminaram com a “importante vitória” em Mucojo, refere o Cabo Ligado, o braço para o conflito moçambicano da organização de monitorização de conflitos ACLED (Armed Conflict Location and Event Data Project).

“A ocupação de Mucojo marca a primeira vez que a insurgência detém o controlo de uma localidade com alguma importância desde que foi expulsa de Mocímboa da Praia e Mbau em Agosto de 2021”, explica o Cabo Ligado.

Este regresso assinala uma mudança estratégica na sua forma de combater. Ao invés de instilar o terror nas populações com massacres, decapitações, roubos e destruição, o grupo que há algum tempo vem sendo associado ao Daesh e foi mesmo classificado pelos Estados Unidos como grupo terrorista com a denominação de “Estado Islâmico de Moçambique”, procura conquistar a simpatia dos civis para a sua causa.

“O grupo sofreu bastante”, explica à Lusa o investigador moçambicano João Feijó. “Talvez, por isso, tenha sentido a necessidade de recuperação da confiança das populações, para, em vez de as roubar, adquirirem os produtos a preços generosos e, desta forma, garantirem uma logística de uma forma mais discreta, pela via do mercado.”

Feijó, que faz parte do Observatório do Meio Rural (OMR), organização não governamental que tem realizado muitos trabalhos sobre a guerra em Cabo Delgado, refere que os militares do Ruanda e da missão da SADC ajudaram o Exército moçambicano a cortar as linhas de abastecimento dos insurgentes, nomeadamente as vindas da Tanzânia.

“Quando chegaram os ruandeses, houve uma estratégia concertada de cortar a logística aos insurgentes. Conseguiram cortar o acesso à Tanzânia, houve muitos militares tanzanianos que ficaram a operar em Nangade, conseguindo cortar rotas de acesso à Tanzânia”, acrescenta João Feijó. Com isso, o grupo teve de libertar civis que mantinha em cativeiro e reduzir o número de combatentes por não ter como os alimentar.

Agora a estratégia passa por conviver com as populações, sobretudo nos lugares onde estão os militares ruandeses, considerados os mais eficientes no combate. Os insurgentes querem cativá-las para a causa, rezando nas mesquitas com os mesmos muçulmanos que antes desdenhavam por não seguirem a linha fundamentalista, optando por adquirir produtos nos mercados e não pilhando lojas, uma estratégia que parece estar a funcionar.

“Um grande grupo de cerca de 40 insurgentes foi visto a comprar produtos na aldeia de Pangane [vizinha de Mucojo] e terão sido alegadamente ajudados por apoiantes locais, segundo fontes locais”, escreve o Cabo Ligado no seu último relatório sobre o conflito, publicado na semana passada. Nele refere também que as grandes movimentações dos insurgentes das últimas semanas parecem ter acalmado.

Como diz à Lusa João Feijó, “a população é que fornece a logística, a população fornece as informações, a população fornece a camuflagem, o encobrimento – essa relação sempre existiu, não há essa coisa de terrorista no mato e população passiva na cidade”.

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