“Não é oportuno”

A autorização de exportação para venda da Descida da Cruz de Domingos Sequeira tem de ser esclarecida pelo actual presidente do instituto público do Património Cultural, João Carlos dos Santos.

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A notícia do PÚBLICO, e antes do Expresso, segundo a qual o “Governo vai tentar comprar obra de Domingos Sequeira que deixou sair do país” causa perplexidade e grande inquietação. Segundo nela se diz, a obra em questão, Descida da Cruz, foi sinalizada como de potencial interesse nacional e deu origem a processo administrativo na entretanto extinta Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), do qual constam pareceres técnicos internos, incluindo um do director do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), o qual confirma essa avaliação e requer o desencadeamento de um processo de classificação, que obstaria à sua exportação. À cautela (vá-se lá saber porquê…), o director de Arte Antiga remeteu cópia do dito parecer à tutela política, na pessoa da secretária de Estado da Cultura, Isabel Cordeiro.

A secretária de Estado, não obstante sublinhar que a decisão de abertura de processo de classificação competia exclusivamente ao director-geral, João Carlos dos Santos, informa que no mesmo dia em que o director do MNAA lhe deu conhecimento do seu parecer foi “sugerido, por email, ao director-geral do Património Cultural que a prioridade deveria ser contactar de imediato o proprietário para conhecer as condições de venda à DGPC da obra Descida da Cruz, de Domingos Sequeira, antes de ser iniciado o procedimento de classificação”. Orientação que reconhece agora não ter sido seguida.

Pelo contrário, consta do processo que o PÚBLICO consultou “uma nota manuscrita da então directora do Departamento de Museus Monumentos e Palácios da DGPC que atesta o envolvimento de João Carlos dos Santos na decisão: ‘Assunto analisado hoje com o senhor director-geral. Considerada não oportuna a abertura do procedimento [de classificação] proposto.’”

O resultado foi o de ter autorização a exportação da obra, que se encontra já para venda em Madrid, procurando agora o ministro e a secretária de Estado da Cultura reparar o mal, através de tentativas de negociação com os proprietários para a compra desta e de outras pinturas do mesmo autor.

Lê-se tudo isto e quase não se acredita, especialmente depois da campanha cívica ocorrida há quase uma década para “pôr o Sequeira no lugar certo” (o MNAA).

Não se acredita, antes do mais, na irregularidade (creio mesmo que ilegalidade) administrativa grosseira de ver informações técnicas contrariadas por despacho superior claramente não fundamentado, já que a mera alegação insubstanciada de “inoportunidade” não configura qualquer tipo de fundamentação igualmente técnica (e só estaria no âmbito de competências do director-geral, que é um técnico, não um político). Não se acredita também pelo desrespeito da orientação recebida da tutela política. E não se acredita finalmente pela flagrante falta de prossecução do interesse público.

Nas redes sociais, onde este episódio se desenvolve como faúlha em pradaria, existe quem afirme que “batemos no fundo” ou simplesmente exclame “ao que chegámos”. Outros, mais prosaicos, perguntam se o assunto foi já levado ao conhecimento da Procuradoria-Geral da República. E não é caso para menos, convenhamos, porque o ponto é este: que razões ocultas de “oportunidade” terá o director-geral para contrariar os pareceres técnicos unânimes dos serviços?

Numa altura em que os políticos e mormente os governantes são, e muito bem, mais observados em todos os seus actos e se procura combater a corrupção, poderão os altos funcionários administrativos ficar isentos de escrutínio? No mínimo, exige-se uma explicação cabal do director-geral, sem a qual deveria ser cautelarmente suspenso ou até imediatamente demitido das suas actuais funções de presidente do novo instituto público do Património Cultural, que assim começa muito mal. Ainda por cima depois de ter sido sediado no Porto com o argumento da descentralização – um pretexto bastante esdrúxulo, que nos corredores do Palácio da Ajuda se traduz somente em facilitar a vida do dito dirigente, talvez ao abrigo de algum outro critério de “oportunidade”, desta vez por parte do poder político.

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