Novidades e desafios do “Simplex Urbanístico”
Perante a opção pela fiscalização a posteriori, estranha-se que não tenham sido agravadas as coimas das contraordenações urbanísticas. Assim perdeu-se um elemento dissuasor importante.
O “Simplex Urbanístico” chega já em março, com algumas regras a produzir efeitos retroativamente a 1 de janeiro, e pretende introduzir uma mudança profunda de paradigma no planeamento e na gestão urbanística.
O objetivo desta mudança é contribuir para o fim da crise na habitação. E pôr-lhe fim mediante um aumento da oferta da construção disponível através de três vias. A primeira, uma harmonização dos procedimentos urbanísticos camarários a nível nacional, no que se refere aos elementos instrutórios dos procedimentos. A segunda, uma flexibilização do controlo da legalidade urbanística, agora mais focada na fiscalização a posteriori das operações urbanísticas. A terceira, a obrigatoriedade de as operações de loteamento passarem a prever áreas de cedência para implantação de habitação pública, a custos controlados ou para arrendamento acessível.
Concretamente no que respeita a esta intenção de flexibilização, a mesma pode ser verificada a dois níveis. Por um lado, com uma nova forma de contar prazos. Por outro lado, pela redução do licenciamento a um número restrito de operações urbanísticas – grosso modo, é o caso das operações de loteamento, de obras de urbanização, ou de obras de construção, de alteração ou de ampliação em área não abrangida por Plano de Pormenor ou por Unidade de Execução.
No que refere à contagem dos prazos, esta inicia-se agora com a entrega do pedido e apenas é suspensa se o particular demorar mais de 10 dias a responder a pedidos de informação ou documentos adicionais. Também só será possível pedir por uma única vez elementos durante o procedimento.
A intenção de tornar o licenciamento um tipo de controlo prévio mais residual desemboca, por sua vez, num alargamento do universo de operações que obrigatoriamente se bastam com uma comunicação prévia, ou que estão isentas de controlo prévio.
A isto soma-se a introdução do deferimento tácito no licenciamento – isto é, a possibilidade de ser dado início às operações urbanísticas nos casos em que a câmara municipal não se tenha pronunciado sobre o pedido de licenciamento dentro do prazo legal para tal – e a isenção do controlo prévio da operação urbanística no caso de informação prévia favorável com determinadas características. O mesmo deferimento tácito, contudo, surge aliado com uma fixação alargada dos prazos globais para a tomada da decisão final sobre a operação urbanística. O que não deixa de refletir a consciência de que nem tudo se resolve com o encurtamento de prazos.
Contudo, perante esta opção pela fiscalização a posteriori, é de estranhar que não tenham sido também agravadas as coimas das contraordenações urbanísticas. Por assim não ter acontecido, a fiscalização perdeu um elemento dissuasor importante. Por outro lado, o deferimento tácito apresenta um risco acrescido para o promotor, dada a eventualidade de a câmara municipal poder vir posteriormente invocar a sua nulidade. Designadamente, quando estiver em causa a aplicação de conceitos indeterminados do PDM a um projeto em concreto.
Acresce que, o fim da autorização de utilização gerará uma dificuldade acrescida para atestar da legalidade e da conformidade de uso no momento da celebração da compra e venda do imóvel. Tenta-se obviar esta dificuldade mediante uma obrigação de informação – a recair sobre conservador, notário, advogado ou solicitador – de como o imóvel pode não dispor dos títulos urbanísticos necessários para a utilização ou construção. Todavia, tal soa a pouco quando o que está em causa é a segurança de uma transmissão de propriedade.
Quanto às áreas de cedência para habitação pública, fica ainda a dúvida quanto ao critério a ser fixado para o seu apuramento no caso concreto. Dúvida que fica para ser esclarecida no futuro, aquando da alteração ou revisão do respetivo PDM, com vista à introdução de parâmetros de dimensionamento das áreas de cedência para habitação pública.
Em suma, as mudanças não são poucas. Mas o seu real impacto somente poderá ser avaliado com a sua aplicação prática pelos players públicos e privados do setor.
O autor escreve egundo o novo acordo ortográfico