Financiamento público para (todo) o jornalismo já!

O jornalismo precisa de novos modelos de financiamento. O jornalismo não pode ficar à mercê do mercado. Os media não tradicionais não podem ficar para trás.

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Há sete anos que os jornalistas não se reuniam num Congresso para debaterem o estado da sua profissão. Se nessa altura as redações e os jornalistas já estavam mal, hoje estão pior. Os baixos salários continuam, a precariedade entranhou-se, o imediatismo normalizou-se e algumas fontes de financiamento secaram. Esta foi a primeira conclusão unânime entre os participantes do V Congresso dos Jornalistas: o jornalismo e os jornalistas estão pior. A segunda foi: está pior, mas pode piorar se nada fizermos. E as soluções? Não houve consenso, mas abriram-se caminhos. Um deles foi o da assunção da necessidade de financiamento público.

Tornou-se claro entre muitos congressistas que o Estado tem de intervir, seja para atualizar as leis que regulam os media, seja para colmatar uma (grave) falha de mercado que destruiu o modelo de negócio dominante: a publicidade como principal fonte de receita. O jornalismo, bem tão essencial à nossa vida democrática, não pode ser deixado à mercê da iniciativa privada.

Portugal está, mais uma vez, atrasado neste debate. Os receios e os medos do “papão estatizante” que tudo controla mantêm-se vivos entre setores da classe jornalística, como se o mercado não pudesse ser totalitário. Há que perder o medo. Sabemos que nenhum jornalismo convive bem com totalitarismo, e se o faz, então, já não é jornalismo. E como é no resto da Europa? Uma pequena análise, apresentada pelo jornalista Joaquim Fidalgo no congresso, demonstrou que, caso o Estado financie o jornalismo, não significa que vamos caminhar para o totalitarismo.

O Estado francês tem um financiamento anual direto de 110 milhões de euros para os media, enquanto a Bélgica, país comparável com o nosso em população, tem 170 milhões de euros. A Áustria tem um orçamento anual na ordem dos 124 milhões de euros, juntando-se um apoio indireto de 201 milhões só na cidade de Viena. Seguem-se a Dinamarca (52 milhões em ajuda direta e 100 milhões em indireta), Noruega (42 milhões em ajuda direta), Finlândia (71 milhões em ajuda indireta) e Itália (88 milhões em ajuda direta). E a Alemanha? Acompanha Portugal: não tem qualquer financiamento público.

Os modelos são vários para as ajudas diretas e indiretas de forma a garantir a total independência das redações. O problema, acreditamos, pode vir a ser outro: como garantir que as grandes empresas de media não recebem a grande fatia de financiamento público, deixando os media mais pequenos (os locais e regionais, os não tradicionais) de fora? A discussão em Portugal ainda vai no adro, mas os sinais de que isto possa acontecer no nosso país, à semelhança do que acontece em Itália, por exemplo, não são nada bons.

Um exemplo. Em plena pandemia, o Estado apoiou o setor da comunicação social com 15 milhões de euros de publicidade institucional. Os critérios deixaram várias dúvidas sobre as condições e fórmulas de cálculo e a grande fatia desse apoio acabou nas contas financeiras das principais empresas mediáticas. Muitos órgãos de comunicação social regionais, locais e não tradicionais foram deixados de fora. As desigualdades entre redações aprofundaram-se.

Como surgiram estes media?

No pós-crise económico-financeira de 2010, muitos (jovens) jornalistas entenderam haver um caminho distinto, ainda que complementar, ao das redações consideradas tradicionais. Surgiram vários órgãos de comunicação social não tradicionais, inovando na sua abordagem jornalística, no modelo de negócios ou no formato e método jornalístico.

Nasceram de associações e coletivos que acreditam no jornalismo comunitário, exigente e que tenta resistir à constante pressão do imediatismo, que não está associado a empresas privadas e funcionam rejeitando a lógica de distribuição de lucros. Praticam um jornalismo de acesso livre, sem paywalls, que não ergue muros a quem lhes deseja aceder, principalmente numa era de desinformação.

Em 2023, existiam mais de duas dezenas de órgãos de comunicação social não tradicionais registados na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). Profissionalizaram-se (uma das fragilidades deste universo de media em todo o mundo) e usam metodologia e deontologia jornalística, mostrando pela prática outros caminhos no jornalismo. Fortalecem a pluralidade informativa e a democracia.

Não se apresentam, no entanto, como alternativa aos meios de comunicação social tradicionais (nem desejam criar divisões artificiais entre redações e a classe jornalística), mas como complemento, enriquecendo o jornalismo nacional e local. No entanto, este universo continua marcado por grandes dificuldades: limitações financeiras, poucos recursos humanos e técnicos e conhecimento ainda limitado a um número reduzido de leitores, o que tem impacto no número de subscrições que arrecadam anualmente. Enfrentam o difícil desafio de balançar o jornalismo que fazem com a garantia de sustentabilidade financeira. Daí que os modelos de financiamento, principalmente o público, mereçam ser debatidos e, sobretudo, postos em prática.

Vivemos num país sem tradição de mecenato, ao contrário dos EUA ou da Alemanha, e sem modelos de financiamento público. Não existem hoje bolsas para investigação jornalística e muito menos bolsas estruturais em Portugal. A União Europeia é, para muitos destes media, a única opção de financiamento estrutural e o apoio dos leitores tem sido essencial, mesmo quando o modelo de subscrição ainda está a consolidar-se num país dominado pela precariedade e baixos salários.

Daí que um conjunto de jornalistas de meios não tradicionais tenha apresentado uma moção ao V Congresso de Jornalistas para se criar um grupo de trabalho, com o envolvimento das estruturas representativas e que regem a profissão de jornalista, para se redigir propostas sobre modelos de financiamento, garantindo a total independência das redações. Não temos modelos definidos, nem nos propomos a isso, mas sabemos que precisamos de financiamento público e que tem de ser distribuído de forma justa e transparente. A moção foi aprovada pela maioria dos congressistas.

Sabemos que o financiamento público do jornalismo tem ainda um caminho a percorrer, mas também sabemos que não temos tempo a perder. Estamos em contra-relógio e cada dia, semana, mês e ano é uma sentença para media que podem ser salvos, que devem ser salvos. Se ficarmos apenas com um punhado de títulos, saímos todos a perder, a democracia sai a perder. E bem sabemos o que acontece às democracias quando o jornalismo não é forte e plural o suficiente.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

Ana Adriano Mota, jornalista no Setenta e Quatro; Ana Patrícia Silva, jornalista no Setenta e Quatro; Cledivânia Pereira Alves, jornalista na Divergente; Diogo Cardoso, jornalista na Divergente; Filipa Queiroz, jornalista na Coimbra Coolectiva; Flávia Brito, jornalista no Gerador; João Biscaia, jornalista no Setenta e Quatro; João G. Ribeiro, equiparado a jornalista no Shifter; Luciana Maruta, jornalista na Divergente; Margarida David Cardoso, jornalista no Fumaça; Mário Rui André, equiparado a jornalista no LPP/Shifter; Marta Lança, jornalista do Buala; Nuno Viegas, jornalista no Fumaça; Ricardo Cabral Fernandes, jornalista no Setenta e Quatro; Ricardo Esteves Ribeiro, jornalista no Fumaça; Rui André Soares equiparado a jornalista na Comunidade Cultura e Arte; Sofia Craveiro, jornalista no Gerador; Sofia da Palma Rodrigues, jornalista na Divergente

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