Marcelo exige transparência na propriedade dos órgãos de comunicação social
Trabalhadores do Jornal de Notícias e d’O Jogo suspenderam os contratos de trabalho depois de ameaça da administração de não pagar salários. Presidente da República pede consensos.
O recato do Presidente da República foi interrompido pela urgência de falar na crise dos media. Na abertura do Congresso dos Jornalistas, que arrancou nesta quinta-feira em Lisboa, Marcelo Rebelo de Sousa exigiu transparência na propriedade dos meios de comunicação, naquela que é uma referência directa às dúvidas sobre o fundo que controla o grupo Global Media.
“Tudo isto torna inevitável que haja transparência no saber quem lidera o quê na comunicação social, com que projectos editoriais, com que modelos, com que perfis e viabilidade de dar vida ao sector“, defendeu o Presidente.
Com a Assembleia da República dissolvida e um ciclo eleitoral intenso no horizonte, Marcelo admite que este tempo possa “ser virtuoso” para que surjam novas propostas que garantam a sustentabilidade dos media, tendo “atenção especial à situação dos jornalistas, sem os quais não há jornalismo”. Sem detalhar propostas específicas, Marcelo defende que o Estado “não se alheie de um debate essencial”, defendendo “os meios públicos históricos e muito importantes” e “uma base ampla” que possa chegar a um consenso de regime no que toca aos restantes títulos.
O pedido de transparência na propriedade dos media surge no dia em que os trabalhadores do Jornal de Notícias e do jornal O Jogo decidiram suspender os seus contratos de trabalho. Depois de saberem que não vão receber salários até à retirada da providência cautelar anunciada pelo empresário Marco Galinha e à pronúncia da Entidade Reguladora da Comunicação Social, que recentemente abriu um procedimento para conhecer a estrutura accionista do grupo.
Em comunicado, a redacção do Jornal de Notícias fala em “mais um acto de terrorismo da comissão executiva do Global Media Group”. Os jornais deverão continuar em banca por mais oito dias, detalhou Alexandre Panda, membro da comissão de trabalhadores do Jornal de Notícias. Sem solução nesse prazo, parece inevitável a paragem do funcionamento normal dos títulos.
No congresso, enumerando uma série de ideias que vão desde o “apoio à literacia” ou o “fomento da qualidade”, o Presidente da República pediu também que “os proprietários e gestores de meios formem uma plataforma de diálogo constante com os jornalistas” e que haja uma alteração da relação com as plataformas digitais – através de medidas de carácter nacional, europeu e, até, “universais”.
Apesar de nunca ter sido “jornalista de carteira”, Marcelo quis começar a intervenção por detalhar a história dos media, revelando décadas de exercício daquilo a que chamou “jornalismo de alma”. Traçado o diagnóstico, o Presidente da República diz que uma das razões do difícil contexto actual está na resposta ao digital “tardia e frágil”, ainda que “com excepções”, defendendo que, apesar do contexto complexo, o "jornalismo consegue a excelência, apesar da precariedade".
Profissão está “pior”
O presidente do 5.º Congresso dos Jornalistas, Pedro Coelho, defendeu que “têm de ser os jornalistas a construir o futuro do jornalismo”, admitindo “ser mais fácil” um consenso no diagnóstico do que nas soluções. Sete anos depois do último congresso “estamos pior”, resume Pedro Coelho. Desde 2017 saíram da profissão 436 jornalistas – cerca de 8% de quebra. Aos responsáveis políticos que estavam na sala, o presidente do congresso pediu “que se discuta sem tabus o financiamento do jornalismo e não das empresas cuja propriedade desconhecemos”.
Maria Flor Pedroso, presidente do Clube de Jornalistas, quis alertar para o estado da profissão numa era em que tudo está “contaminado pela opinião”. Referindo-se ao caso da agressão ao jornalista do Expresso, Flor Pedroso diz que “não podíamos ter tido um caso mais paradigmático” na véspera do congresso.
A reunião magna dos jornalistas decorre até este domingo, com um foco na sustentabilidade dos órgãos de comunicação social. No total, inscreveram-se mais de 700 jornalistas.