Trabalhadores do JN e O Jogo suspendem contratos perante “terrorismo” da administração

Dono da Global Media anuncia que só paga salários após conclusão dos processos abertos pela ERC e do fim do processo de arresto por Marco Galinha. Trabalhadores avançam para suspensão de contratos.

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José Paulo Fafe tinha afirmado que esperava uma transferência do World Opportunity Fund para pagar os salários em atraso LUSA/António Pedro Santos
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O fundo que controla o Global Media Group (GMG) anunciou que não realizará a transferência extraordinária que permitiria pagar os salários em atraso enquanto decorrerem os procedimentos anunciados pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) e até que a providência cautelar de arresto, anunciada por Marco Galinha, accionista e ex-presidente da comissão executiva do grupo, seja retirada.

Em comunicado, José Paulo Fafe, presidente da comissão executiva da Global Media, adiantou que o World Opportunity Fund (WOF), sediado nas Bahamas, anunciou nesta quinta-feira "a sua indisponibilidade em efectuar qualquer transferência" sem que o conselho regulador da ERC "conclua o processo administrativo autónomo para a aplicação do artigo 14.º da Lei da Transparência", porque ele pode culminar "na inibição do exercício dos direitos de voto por parte do WOF".

"O World Opportunity Fund transmitiu-me igualmente no dia de hoje a sua indisponibilidade em efectuar qualquer transferência até que o alegado procedimento cautelar de arresto anunciado publicamente pelo empresário Marco Galinha seja retirado", acrescentou José Paulo Fafe.

Em reacção, e após reunião em plenário, os trabalhadores do Jornal de Notícias e d'O Jogo anunciaram a suspensão dos seus contratos de trabalho por falta de pagamento dos salários.

Em comunicado, a redacção do JN repudia "mais um acto de terrorismo da comissão executiva do Global Media Group", referindo-se à decisão da administração de não pagar salários enquanto vigorar o processo de arresto anunciado por Galinha e a ERC não concluiu o seu processo administrativo. Os jornalistas condenam ainda que a decisão tenha sido anunciada "através de um comunicado enviado a órgãos de comunicação social antes de o fazer chegar aos trabalhadores".

"O comunicado de José Paulo Fafe deixa clara uma ideia repulsiva: não pagam porque não querem", afirma por seu turno a redacção d'O Jogo. "Não cedemos a chantagens, pressões e tácticas terroristas da comissão executiva ou de José Paulo Fafe, que fazem dos trabalhadores autênticos reféns e armas de arremesso", acrescentam os trabalhadores do jornal desportivo.

No caso d'O Jogo, a suspensão dos contratos de trabalho foi decidida "por maioria", acrescenta o comunicado enviado após a reunião em plenário da redacção.

O Código do Trabalho prevê, no artigo 325.º, a possibilidade de os trabalhadores suspenderem o contrato por falta de pagamento pontual da retribuição (ou seja, caso o salário esteja em atraso há 15 dias face à data em que deveria ter sido pago). A decisão é tomada individualmente por cada trabalhador, que tem de a comunicar por escrito ao empregador e à Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), com oito dias de antecedência.

Além disso o trabalhador tem de pedir uma declaração à empresa a atestar a falta de pagamento do salário ou, em caso de recusa, à ACT; especificando o montante das retribuições em dívida e o período a que respeitam.

Na prática, este mecanismo pressupõe que o trabalhador suspende temporariamente a prestação de toda e qualquer actividade com a entidade empregadora. Isso significa que, se todos os jornalistas do Jornal de Notícias e d'O Jogo decidirem suspender o contrato, a publicação destes jornais poderá ficar comprometida.

Durante a suspensão, o trabalhador pode exercer outra actividade remunerada, desde que não haja conflito com o empregador originário, ou então pedir o subsídio de desemprego.

De acordo com a lei, a suspensão do contrato cessa com o pagamento integral das retribuições em dívida, por acordo entre trabalhador e empregador para regularização dos salários ou se o trabalhador comunicar que põe fim à suspensão. Se a falta de pagamento do salário se mantiver por mais de 60 dias, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato com justa causa.

Prazo falhado

O presidente da comissão executiva tinha afirmado a 9 de Janeiro, numa audição na Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto da Assembleia da República, que esperava receber, no início desta semana, uma transferência bancária do accionista que permitiria pagar os salários em atraso, pelo que o salário de Dezembro seria pago até à última terça-feira. A administração voltou a falhar o prazo — isto enquanto decorre um programa de rescisões amigáveis de contratos.

Em comunicado, José Paulo Fafe adianta que essa transferência não foi recebida até ao momento, o que não permitiu regularizar os salários relativos ao mês de Dezembro. O subsídio de Natal também ainda não foi transferido aos trabalhadores do grupo, que inclui títulos como o Diário de Notícias (DN), Jornal de Notícias (JN), Dinheiro Vivo, TSF e O Jogo. Os trabalhadores do JN e d'O Jogo marcaram um plenário para esta quinta-feira, 18 de Janeiro, para debater as suspensões dos contratos.

José Paulo Fafe também informou, no mesmo comunicado, que "não tem qualquer conhecimento, a não ser através da comunicação social, de qualquer proposta de aquisição de activos do GMG". As declarações chegam um dia depois de a Nobias European Studio ter publicado um comunicado em que revelava novos detalhes sobre uma proposta de aquisição que terá sido enviado por carta, a 11 de Janeiro, ao presidente do conselho de administração da Global.

O comunicado da Nobias sublinha a intenção de investir pelo menos dez milhões de euros na Global Media em troca de 51% das acções da empresa, com a promessa de manter a maioria dos postos de trabalho e de ceder outros dois milhões de euros de verba em caixa para responder às necessidades imediatas do grupo.

O negócio só poderia avançar após uma análise financeira e se os actuais accionistas aceitarem a "diluição da sua participação para menos de 50%", abdicarem "dos suprimentos ou quaisquer dívidas que a empresa tenha para com eles" e caso seja nomeado um novo conselho de administração com uma maioria de membros apontados pela Nobias, diz o comunicado. Com Raquel Martins


*Notícia actualizada às 21h com informação sobre a legislação aplicável à suspensão dos contratos.

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