Financiar os media pela consignação do IRS

Uma solução desta natureza permitiria ao contribuinte decidir que órgãos de informação financiaria. Teríamos financiamento público com total independência do Governo.

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A situação da Global Media trouxe atualidade à questão do financiamento dos media. Neste artigo defendo que se utilize um mecanismo de apoio aos media, com base na consignação de uma pequena parte do IRS, semelhante ao já existente de apoio às entidades do terceiro setor. Um financiamento público totalmente assente na decisão dos cidadãos, que financie uma parte importante da atividade dos media, reconhecendo o papel determinante que estes têm para o funcionamento da sociedade democrática.

Jornalistas sem ser pagos, e instituições como o JN, DN e a TSF em risco de fechar, exigem uma atuação imediata, uma intervenção pública ou de privados que resolva a crise. Mas, além desta solução específica e de curto prazo, é necessária uma solução com um horizonte mais amplo.

A consignação de IRS é uma possibilidade que todos os contribuintes têm ao seu dispor há mais de 20 anos (n.º 6 do art. 32.º da Lei 16/2001). Permite atribuir 0,5% da coleta de imposto a uma instituição de solidariedade (por exemplo, às IPSS). Esta contribuição tem ajudado muito estas instituições e em nada tem contribuído para que estas sejam governamentalizadas. Quem recebe sabe que não é o Governo que decide. São os cidadãos que tomam a decisão, e é a estes que as IPSS enviam informação e pedem contribuições, pelas redes sociais, por email, etc.

Uma solução desta natureza permitiria a cada contribuinte decidir que órgãos de informação financiaria. Poderia permitir também que o jornal ou rádio a que atribuísse o financiamento lhe desse acesso a mais conteúdos. Seria um mecanismo de avaliação de mérito, mas também próximo do resultado de mercado, pois teria uma contrapartida de acesso.

É importante que a introdução deste financiamento obrigue, tal como se fez no caso das IPSS, a um processo de certificação, que implique regras quanto a um mínimo de jornalistas com carteira profissional, independência editorial, etc. É importante que se garanta pluralidade e se permita a cada cidadão escolher vários meios, e não apenas um.

Não sendo eu especialmente favorável à consignação de impostos, penso que este caso justifica amplamente a exceção, pois queremos um financiamento público, com escolha dos cidadãos e com total independência do Governo. De qualquer forma, deve manter-se a publicidade e outras formas de financiamento, que num país pequeno como Portugal têm demonstrado ser insuficientes. Daí a necessidade de serem complementadas.

Porque é que se justifica pensar neste tipo de apoio? A resposta é: a tecnologia fez com que a informação tenha deixado de ser um bem normal para passar a ser um bem público, criando uma falha de mercado que, se não for corrigida, cria uma provisão insuficiente, com consequências para os consumidores de informação, mas também para o funcionamento da democracia.

Um bem público, no sentido económico do termo, significa um bem em que não há rivalidade no consumo e não há possibilidade de exclusão. Um farol quando está a funcionar dá uma luz que é vista por todos os barcos e custa o mesmo se for vista por um ou por dez barcos – é um bem público clássico. Uma maçã não é assim. Para dez pessoas, precisamos de dez maçãs, e podemos vender maçãs apenas a quem pagar (tem possibilidade de exclusão).

As notícias de um jornal eram maçãs, hoje são como a luz de um farol, todos conseguem ver e quase ninguém paga. E são uma luz importante para o bom funcionamento do sistema democrático. A informação tem hoje mais valor. Mas a tecnologia fez com que quem a produz tenha maior dificuldade de conseguir reter o valor que produz.

Noutras áreas (e.g telecomunicações), a tecnologia permitiu que, onde havia uma falha de mercado (monopólio natural), passasse a poder haver concorrência. Que onde havia uma solução pública, pudesse haver uma privada. Aqui, a alteração da tecnologia levou a uma alteração radical do enquadramento regulatório do mercado. Passou-se de uma maioria de países europeus com monopólios públicos, para concorrência com regulação.

O problema dos media é que a evolução da tecnologia criou uma necessidade de resposta no sentido contrário. Onde existiam bens normais passou a haver uma falha de mercado (um bem público). Onde não havia necessidade de financiamento público, hoje há. E parece que estamos todos cheios de preconceitos sobre o que fazer. Um bem público sem financiamento ou provisão pública cria uma falha de mercado. É isso que temos como a crise dos media demonstra. É isso que temos de corrigir.

A falência dos media, ou o desenvolvimento de um modelo de negócio em que a posse dos media serve de moeda de troca para favores políticos, poderá custar muito mais aos cidadãos e aos contribuintes, do que um modelo de financiamento público transparente que valorize os media e que coloque a sociedade a pagar o importante papel que estes e os jornalistas prestam à comunidade.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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