“O maior golpe da história do jornalismo.” Greve voltou a parar Global Media

Trabalhadores voltaram a protestar no Porto e em Lisboa e pediram demissão do fundo que lidera o grupo que detém órgãos como o JN, DN, TSF e O Jogo.

neg - 10 janeiro 2024- GREVE E MANIFESTACAO DO GRUPO GLOBAL MEDIA - JN DN TSF JOGO -
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Nelson Garrido Jornalistas protestaram na Avenida dos Aliados, no Porto
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Greve teve adesão total Nelson Garrido
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No Porto, protesto começou na antiga sede do JN Nelson Garrido
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Greve teve adesão total Nelson Garrido
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Jornalistas de outros órgãos fizeram greve solidária Nelson Garrido
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Protesto em Lisboa Nuno Ferreira Santos
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A precariedade laboral foi muitas vezes tema de trabalho para Ana Trocado Marques. “Denunciar” abusos e contar histórias de vidas viradas do avesso nas páginas do Jornal de Notícias são motivação para continuar neste ofício. Mas, desta vez, ela não levava microfone nem bloco de notas. Na Avenida dos Aliados, no Porto, os jornalistas do grupo Global Media fizeram-se notícia para se oporem ao anunciado despedimento colectivo de 150 a 200 trabalhadores e contestarem o atraso no pagamento dos salários e subsídio de Natal.

A greve, com adesão total, paralisou meios de comunicação social como o Jornal de Notícias, o Diário de Notícias, a TSF ou O Jogo e contou com a solidariedade de dezenas de jornalistas de outros órgãos, entre eles o PÚBLICO, que se juntaram aos protestos no Porto e em Lisboa e fizeram uma greve solidária de uma hora.

Correspondente do JN em Vila do Conde e na Póvoa de Varzim há 17 anos, Ana Trocado Marques habituou-se à corda bamba de quem ganha à peça e passa recibos verdes. Mas o poço podia, afinal, ser cavado mais fundo. No dia 31 de Dezembro recebeu o salário de Outubro. O de Novembro deveria ser pago esta quinta-feira, mas as esperanças de que isso aconteça são baixas. “É uma angústia muito grande.”

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Despedimento colectivo poderá atingir 150 a 200 trabalhadores Nelson Garrido

O presidente executivo do grupo, José Paulo Fafe, disse esta terça-feira, na Assembleia da República, que os salários em atraso deveriam ser pagos até ao início da próxima semana. Mas as promessas já não acalentam esperanças a Ana Trocado Marques. Com uma filha de 11 anos e o empréstimo da casa para pagar, continua a trabalhar sem saber se será paga por isso. “A direcção foi informada de que as colaborações seriam suspensas, mas a nós não nos foi dito nada.”

No Porto, os jornalistas concentraram-se junto à antiga sede do JN – vendida para ser transformada num hotel de luxo – e seguiram depois para a frente da Câmara do Porto, entre palavras de ordem e bombos ruidosos desincentivados por agentes policiais. As dezenas de cartazes expressavam sentimentos de tristeza e revolta e anunciavam “o maior golpe da história do jornalismo”. Entre os trabalhadores, viram-se olhos rasos de água. Mas também força para continuar a lutar. “Se morrermos, será de pé”, prometia uma jornalista a erguer um cartaz.

Em Lisboa, os protestos aconteceram em frente à Assembleia da República, onde o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, respondeu a perguntas dos deputados sobre a reestruturação do Global Media e sobre a tentativa da compra pelo Estado das participações do grupo na Lusa.

Assumindo ser contra um apoio específico ao grupo, por receios de desvirtuar o mercado, contou que o Estado fez uma proposta de 2,53 milhões de euros para adquirir as participações da Global Media na agência noticiosa Lusa. Apesar de a venda ter sido proposta pela administração do grupo, o ministro diz ter recebido uma contraproposta em que constava a compra pela Global, pelo mesmo valor, das participações estatais na Lusa.

A Entidade Reguladora da Comunicação (ERC) já abriu um processo administrativo para aplicação da Lei da Transparência, por “fundadas dúvidas” sobre o maior accionista do grupo, o World Opportunity Fund. Como o PÚBLICO avançou esta terça-feira, várias entidades europeias haviam alertado sobre o Union Capital Group (UCAP), que gere o WOF.

“Ninguém vai fechar isto”

Augusto Correia, jornalista do Jornal de Notícias há 29 anos, foi ao microfone instalado nos Aliados para deixar palavras de algum optimismo. “O JN vai continuar, ninguém vai fechar isto”, disse, aplaudido com entusiasmo. Ao PÚBLICO não escondeu emoção ao relatar “uma vida muito bonita” desenhada na redacção do centenário portuense. “Devo muito do que sou ao JN.”

O anunciado despedimento colectivo levaria a uma “descaracterização dos títulos do grupo”, em alguns casos já a trabalhar no osso. Mas José Paulo Fafe, presidente executivo do grupo, voltou a repetir na Assembleia da República que é o único caminho para a continuação do grupo, caso as rescisões voluntárias não sejam o suficiente para o “emagrecer”.

O dia da greve coincidiu, precisamente, com o prazo-limite para adesão a essas rescisões voluntárias. Augusto Correia, também dirigente do Sindicato dos Jornalistas – que convocaram este protesto em conjunto com o SITE-Norte e o STT –, diz não saber, para já, qual a adesão. Mas a “pressão” terá feito o seu caminho: “Temos a sensação de que com o alargamento do prazo [das rescisões], a falta do subsídio de Natal e a entrada em Janeiro sem previsões concretas, começou a haver gente a ponderar sair.”

Sara Oliveira não é uma delas. E escolhe ver “o copo meio cheio”. “Vamos ter de passar o cabo das tormentas e temo que pelo caminho alguns não resistam. Mas acredito num final feliz.” Ela já viu este filme antes. Em 2014 foi uma das afastadas de um despedimento colectivo no Jornal de Notícias. Mas pouco tempo depois seria chamada para colaborar, desta vez com uma avença – e estabeleceu-se como freelancer.

O marido trabalha também nesse regime, para outro órgão de comunicação social, o que agrava as dificuldades no lar. “Temos juros para pagar”, contou ao PÚBLICO. “Mas, apesar da ordem de suspensão dos colaboradores e de não saber se me vão pagar, nunca parei de trabalhar.”

Para Leonor Ferreira, jornalista da TSF há 32 anos, os sinais são quase todos de desesperança. Menos aquele que se viu esta quarta-feira no Porto: “Sinto muita força pela união que se tem visto.” Por causa disso, diz, mesmo que tudo acabe mal, já algo correu bem: está lançado o debate sobre o jornalismo e o seu financiamento. E está a olho nu o “sentimento de pertença de uma classe que não pode ter vergonha de dizer que tem problemas e de ser notícia”.

Rui Moreira mostrou solidariedade com os trabalhadores do grupo Global Media
Greve teve adesão total
Greve teve adesão total
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Rui Moreira mostrou solidariedade com os trabalhadores do grupo Global Media

“Uma tragédia”

O presidente da Câmara do Porto voltou a juntar-se à manifestação do grupo Global Media para mostrar “solidariedade” com os trabalhadores, em particular do JN, “o último grande jornal da cidade”. “O desaparecimento destes órgãos de comunicação social é uma tragédia para o país, para o Norte e, neste caso específico, para o Porto”, declarou Rui Moreira.

O autarca pediu ao Estado que não se fique por “medidas paliativas” e que repense, por exemplo, a possibilidade de intervenção dos municípios em órgãos de comunicação. “Como é que se compreende que o Estado seja tão paternalista que ele próprio possa participar em órgãos de comunicação social, e bem, mas porque é que não permite que os municípios possam participar nos jornais, na medida em que prestam serviços aos seus cidadãos?”

O Sindicato dos Jornalistas ainda não fechou a sua posição sobre as soluções possíveis para salvar o grupo Global Media. Mas há já um “consenso” de que é urgente uma “solução a curto prazo”, adiantou Augusto Correia. Modelos como o seguido com a Autoeuropa, com o Estado a pagar os salários temporariamente, podem ser uma saída sobretudo neste tempo de indefinição, com eleições marcadas para Março.

“Se o Estado teve uma intervenção na TAP e na banca, se foi capaz de resolver esses casos, também devia ser capaz aqui”, espicaçou o jornalista, pedindo que se passe das palavras à acção. “Tenho mais medo de um jornalista que não recebe e que não tem dinheiro para comer do que de um jornalista que recebe um telefonema de um político.”

Germano Silva, jornalista histórico do JN, não escondia a “apreensão” com a situação dos camaradas de profissão. “Não sabemos qual é o futuro, não sabemos o que é o fundo. É preciso agir.” Pedindo o pagamento imediato dos salários em falta e um escrutínio do fundo que gere o grupo, Germano Silva não esqueceu o ano simbólico em que Abril cumpre 50 anos: “Uma das maiores conquistas de Abril foi a liberdade de imprensa e isto põe em causa essa liberdade.”

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