Defender os jornais = defender a democracia

Não se entende como pode a ERC permitir que um grupo detido por um fundo opaco, sediado nas ilhas Cayman, possa investir na área da comunicação social em Portugal.

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Desde novembro passado que paira sobre os trabalhadores afectos à Global Media Group (GMG), que detém os jornais Diário de Notícias, Jornal de Notícias, O Jogo, o Açoriano Oriental, Diário de Notícias da Madeira, a rádio TSF e o Dinheiro Vivo, a ameaça de despedimento colectivo e, agora, o requerimento de insolvência da empresa. Uma decisão que, segundo a administração da GMG, se baseia em fracos resultados e que José Paulo Fafe, CEO do grupo, justifica em entrevista ao jornal Eco com uma “necessidade de conter despesas, de aumentar receitas e de racionar os custos”.

Tal ameaça tem repercussões fundas em três imediatas vertentes: na dignidade laboral e qualidade de vida absoluta dos seus trabalhadores, na pluralidade informativa fundamental à democracia e, finalmente, no património e na voz histórica de todos órgãos de informação afectados. DN e JN, por exemplo, fundados respectivamente em 1864 e 1888, constituíram-se, ao longo de décadas de conturbada vida política nacional e global, em inabaláveis baluartes de liberdade de expressão e de informação certificada.

Depois da morte de O Comércio do Porto e de O Primeiro de Janeiro, o JN tornou-se a inequívoca voz jornalística de toda uma região e num símbolo de proximidade informativa, muito mais debruçada sobre questões fundamentais para as populações do que sobre manobras palacianas distantes, pelo que o seu desaparecimento seria, para além de uma catástrofe para a vida dos seus trabalhadores, uma perda irreparável para o país e, mais acentuada ainda, para o Porto e o Norte. O mesmo se poderá afirmar sobre o putativo desaparecimento dos jornais Açoriano Oriental e Diário de Notícias da Madeira e o impacto, a acontecer, para as populações e para as as regiões que representam.

Ao mesmo tempo, a TSF, desde a sua fundação em 1989, tem sabido ser, talvez pela sua esmagadora cobertura geográfica, um símbolo insofismável da excelência do jornalismo feito em Portugal, quer pela incansável verificação factícia, quer pela equidade na distribuição de antena, com ênfase no contraditório.

Combater a redução da informação livre ao sound bite maniqueísta das redes sociais, manter jornalistas nas ruas como mediadores e antídoto das fake news, dar voz às comunidades e fazer ecoar os seus anseios, pugnar pela independência e rigor da notícia e dar visibilidade às regiões têm sido frentes nas quais todos os órgãos de comunicação, agora afectos à GMG, têm demonstrado eficácia incontestável.

Por todas estas razões, às quais somaria o efectivo valor das marcas de sucesso JN, DN e TSF, não se consegue entender como pode a GMG alegar dificuldades económicas quando tinha prometido, por imposição dos novos accionistas, “grandes investimentos na consolidação e crescimento do grupo”. Mais, a verba obtida pela venda da histórica sede do JN no Porto ao grupo macaense Authentic Empathy, 9,5 milhões de euros, deveria, como mandam as práticas da boa gestão, ter sido reinvestida nas empresas do grupo, se estivessem de facto em dificuldades. Pelo contrário, até hoje pouco se sabe sobre os destinos de tal verba ou como e onde se encontra a tão cobiçada colecção de obras de arte do mesmo JN.

Numa altura em que se aproximam eleições e em que o debate político corre sérios riscos de se transferir dos órgãos de comunicação plurais para os instrumentos do marketing político puro, redes sociais à cabeça, onde sobejam conteúdos fabricados, desprovidos de verificação e, muitas vezes, de rigor, não se entende como pode a ERC permitir que um grupo detido por um fundo opaco, sediado nas ilhas Cayman, o World Opportunity Fund, dono da GMG, possa investir na área da comunicação social em Portugal. Isto é, corremos o risco de perder todos os títulos e rádios agora detidos pela GMG, ou, pela intimidação laboral agora iniciada, vê-los ser transformados em caixas de ressonância de conselhos de administração obscuros e com fins políticos pouco claros.

Ao contrário do que aconteceu quando um grupo de accionistas comprou, em 2020, a Media Capital, altura em que nenhuma pedra ficou por levantar, e muito bem, no escrutínio das intenções de cada um dos investidores, a ERC não revelou igual expediente face ao World Opportunity Fund, pelo que, em ultima análise, sem estar na posse de todos os dados nominais necessários, e de acordo com a lei vigente, poderia ter impedido a sua entrada na indústria da comunicação social, porque, exactamente pela sua relevância ética, política e de transparência, esta difere nas regras de todas as outras indústrias.

Com o mútuo empurrar de culpas entre os accionistas da GMG entretanto iniciado, e que verá novos episódios na audição no Parlamento já nesta terça-feira, poderemos nunca saber quem na realidade são os verdadeiros donos de tão significativo património informativo e por que razão lhes interessa a desvalorização, quiçá a destruição, do mesmo.

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