Pela Nacional 118 há uma rota de vinhos do Tejo a descobrir

Uma road trip vínica pelo Ribatejo com visitas a vinhas, adegas, restaurantes e passeios na natureza. Os vinhos são conhecidos, mas a Tejo Wine Route 118 ainda passa despercebida.

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Uma paragem da Tejo Wine Route 118, a vinha da Casa Cadaval Miguel Manso
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Cobrir a Adega Fiuza com graffiti foi uma ideia da nonagenária Maria Luiza Queiroz, herdeira do atleta olímpico Joaquim Fiuza, o criador da marca de vinhos de Almeirim. A pensar no desenvolvimento do enoturismo na região, Maria Luiza chamou o artista local Francisco Camilo e o graffiter Smile, conhecido na arte urbana de Portugal por pintar grandes murais, para tornarem a adega “mais convidativa”, explica-nos Edna Barbosa, a responsável da área comercial da Fiuza.

As paredes da loja, por exemplo, são uma réplica a tinta de spray das prateleiras que Maria Luiza tem em casa e dão a ilusão de estarmos numa sala toda em madeira. Dentro da adega, há um retrato a graffiti do fundador da marca, Joaquim Fiuza, a ajudar a contar a história da empresa que começou nos anos 20 do século passado, com a produção de uva nas vinhas da família para venda. “Está vestido de marinheiro”, continua Edna, a apontar para o retrato. “O senhor Fiuza foi um atleta olímpico português bastante relevante da modalidade de vela, nos anos 50, e chegou a ganhar a medalha de bronze em Helsínquia.”

Joaquim Fiuza morreu em 2010, com 102 anos, e os seus troféus estão agora em exposição na entrada da adega, incluindo o troféu olímpico de 1952. No mesmo espaço, está outro expositor com os primeiros rótulos da Fiuza, já dos anos 80, quando Joaquim se juntou ao enólogo australiano Peter Bright para começar a engarrafar com marca própria e uma nova empresa, a Fiuza & Bright, pioneira na produção de castas francesas em Portugal.

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Na Adega Fiuza Miguel Manso

O enoturismo, com visitas guiadas pelo processo de vinificação e provas (a partir de 20 euros/pessoa), é uma aposta relativamente recente da Fiuza. Arrancou em 2016 com as primeiras pinturas na adega, mas pode ganhar um novo fôlego nos próximos anos, quando a Tejo Wine Route 118 (TWR118) se tornar mais popular.

A ideia desta estrada vínica surgiu em 2020, durante a pandemia, depois de uma visita da Comissão Vitivinícola Regional do Tejo (CVR Tejo) e dos responsáveis do turismo do Alentejo e do Ribatejo aos produtores da zona. “Porque não fazer uma wine route se a maior parte dos produtores, e os mais emblemáticos do Tejo, estão nesta estrada [a Estrada Nacional 118]?”, recorda João Silvestre, director-geral da CVR Tejo.

A TWR118 foi oficialmente apresentada em Setembro de 2021 como uma espécie de versão portuguesa da Route 62, na África do Sul: “Tem tudo para ser reconhecida como uma estrada vínica”, lia-se num comunicado da altura. Ao longo de 150 quilómetros de estrada, “construída para ser a marginal de toda a margem esquerda do rio Tejo”, são 14 os produtores de vinhos assinalados no mapa, que abrange sete concelhos da região: Abrantes, Almeirim, Alpiarça, Benavente, Chamusca, Constância e Salvaterra de Magos.

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Adega Fiuza Miguel Manso

Todos eles estão de portas abertas o ano inteiro com uma oferta de enoturismo que varia entre visitas à adega, visitas às vinhas, lojas, prova de vinhos, alojamento ou refeições.

O objectivo é que, num futuro próximo, se juntem à rota outros parceiros locais, entre restaurantes e hotéis, para “complementar o enoturismo com a outra oferta que a região já tem”, explica Patrícia Mateiro, da promoção e marketing da CVR Tejo. “A preferência será para quem trabalha melhor os vinhos.”

Sopa da pedra e um pombal

Um dos próximos parceiros será o Toucinho, o restaurante do antigo forcado João Simões e da sua mulher, Hélia Costa, o primeiro de Almeirim a servir sopa da pedra, em 1962, quando Hélia era uma criança — começou a cozinhar com um “campingaz em cima de uma caixa de madeira” aos 5 anos, conta-nos.

Nas paredes do restaurante há cabeças de touro, fotografias de touradas e até uma com o actor Kirk Douglas. João Simões orgulha-se dos retratos e faz questão de nos mostrar a sua garrafeira, do outro lado da estrada, onde normalmente quem espera por mesa bebe um copo.

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Quinta do Casal Branco Miguel Manso

Aqui, os vinhos estão “à temperatura certa”, garante, e os do Tejo têm uma prateleira especial. Aliás, João tem uma parceria com um dos produtores locais da rota, a Quinta do Casal Branco, para o seu “vinho especial da casa”, um tinto a um preço também especial, a 8,5 euros a garrafa.

A Quinta do Casal Branco, da família Braamcamp Sobral Lobo de Vasconcelos desde 1775, teve a sua primeira adega em 1817. Um dos vinhos mais conhecidos da casa, o Falcoaria, o primeiro a ser produzido e engarrafado na quinta, em 1990, ganhou este nome graças a um dos principais monumentos da quinta: um pombal.

Na verdade, é um pombal do século XVI que resistiu ao Terramoto de 1755, quando a zona era procurada pela corte no Inverno. “Servia de apoio às caçadas com falcões que se praticavam aqui”, conta Filomena Justo, responsável do enoturismo. “A última grande caçada foi em 1770, vieram 700 pessoas de barco, Tejo acima, engalanadas de ouro e prata.”

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miguel manso
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miguel manso
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miguel manso

A provas e visitas, que passam pelos jardins da casa e pelo pombal, começam nos 15 e acabam nos 90 euros, com direito a “baptismo equestre” ou almoço.

No Verão, e com a Casa Cadaval, em Muge, outro dos pontos da TWR118, a Quinta do Casal Branco organiza o Entre Quintas, um festival de música clássica e jazz, que acontece em dois fins-de-semana nos jardins das duas quintas, uma das primeiras sinergias entre produtores da rota.

Flamingos e corujas

Os cinco mil hectares da Casa Cadaval, a maior propriedade privada da região, também são populares para provas de vinhos e visitas. Um dos vinhos da casa, o espumante Tuísca, é uma homenagem ao nome do primeiro cavalo que a condessa do Cadaval, Teresa Schönborn-Wiesentheid, a actual proprietária, recebeu da mãe.

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Casa Cadaval miguel manso
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Casa Cadaval miguel manso

Os passeios pela herdade são normalmente feitos num tractor ou numa carrinha de caixa aberta em cima de fardos de palha e incluem uma passagem pelas vinhas, pelos cavalos e pelo grande lago, onde às vezes se vêem flamingos. “Tiveram azar, estiveram cá no sábado”, lamenta Sílvia Feio, responsável pelo enoturismo.

As provas incluem também os vinhos Padre Pedro, o primeiro vinho de lote a ser feito na casa, nos anos 90, criado para o mercado externo, para a Marks & Spencer. Antes disso, faz-se uma pequena visita aos expositores com os achados arqueológicos que ao longo dos anos vários investigadores encontraram na herdade: sedimentos de conchas, dentes e pequenos artefactos de várias épocas.

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Companhia das Lezírias, a enóloga Catarina Rodrigues e a bióloga Sandra Alcobia

Também a Companhia das Lezírias, em Samora Correia, outra das herdades na TWR118, é procurada para visitas escolares e investigações académicas, a maior parte relacionadas com a observação de aves ou com a sustentabilidade na vinha.

A coruja-das-torres, uma espécie protegida que aqui encontrou refúgio e é hoje responsável pelo controlo de pragas na vinha, inspirou um vinho, o Tyto Alba, vendido numa caixa de madeira que também serve de ninho.

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Na adega da Companhia das Lezírias miguel manso
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Companhia das Lezírias miguel manso

“Temos muitos alunos de MBA que vêm dos Estados Unidos”, conta a bióloga Sandra Alcobia, responsável pelo turismo da Companhia das Lezírias. “Vêm para cá como caso de estudo, de que é possível fazer produção agrícola e florestal procurando passos um bocadinho mais equilibrados.”

Em Alpiarça, a Quinta da Lagoalva também tem recebido muitos norte-americanos. “Chegam através de uma agência de viagens que trabalha muito com americanos”, explica Mariana Diniz, responsável de marketing e turismo.

A quinta organiza provas de vinhos, visitas à adega e a uma capela, passeios a cavalo e, o ponto alto, visitas guiadas ao museu com os carros de cavalos que pertenceram, ao longo dos séculos XIX e XX, aos proprietários da Lagoalva, e que resultou de uma colaboração do Museu dos Coches.

Companhia das Lezírias
Adega Fiuza
Quinta do Casal Branco
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Companhia das Lezírias

“Também tínhamos passeios a charrete pela quinta, mas no Verão partiu-se uma peça dos travões e ainda estamos a tentar encontrar outra”, conta Mariana.

Fora do mapa

A oferta da Tejo Wine Route 118 é variada, mas continua a faltar uma coisa fundamental para que o número de turistas aumente na região: alojamento. Apenas dois sítios da rota oferecem essa possibilidade, a Companhia das Lezírias, com onze bungalows, e a Quinta da Atela, comprada em 2017 pelo Valgrupo, de agropecuária, com uma casa com quatro quartos e uma piscina.

Depois, há a concorrência das outras regiões vitivinícolas. “Alentejo e Douro ainda são as zonas mais aliciantes para o consumidor”, afirma Cátia Casadinho, do marketing da Casa Cadaval.

Nuno Falcão Rodrigues, dono do Casal da Coelheira, herdade junto à vila de Tramagal, tem recebido visitantes, muitos deles estrangeiros, que compram os seus vinhos e têm curiosidade em conhecer a produção. “Na loja da nossa adega vendemos cerca de 10% da nossa facturação em vinho, ainda tem um peso importante”, garante.

No entanto, Nuno diz não se ter apercebido ainda do impacte da TWR118. “Penso que ainda não recebi ninguém que estivesse a fazer a rota da 118, especificamente.”

Para a CVR Tejo, mentora da TWR118, o maior desafio é “que as pessoas saibam da sua existência”, afirma Patrícia Mateiro, responsável de marketing. Para isso, nos próximos tempos, querem apostar mais na divulgação em “feiras” e “operadores turísticos”. “Temos de tirar partido da proximidade com Lisboa.”

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