Quase 70 menores mudaram de género e de nome no registo civil neste ano
Em termos globais, 529 pessoas mudaram de género e de nome ao longo de 2023. Na soma dos últimos 12 anos, houve 2653 pessoas transgénero a fazer essa alteração.
São já quase 200 os menores de idade que, desde 2018, pediram a mudança de género e de nome no registo civil. Só neste ano, 69 jovens (com 16 e 17 anos) transgénero viram oficializado, nos documentos de identificação, o género com que se identificam, como consta de um balanço pedido pelo PÚBLICO ao Ministério da Justiça, com dados até esta terça-feira. É uma subida de 53% em relação ao ano anterior, quando 45 menores tinham feito o mesmo pedido.
Estes são números que têm vindo a crescer consistentemente de ano para ano, tanto entre os jovens como em pessoas adultas. Em 2018 foi introduzida a possibilidade de menores a partir dos 16 anos requererem a mudança de género e de nome no registo civil sem necessidade de qualquer relatório médico que atestasse a disforia de género, desde que com consentimento familiar.
No primeiro ano de aplicação desta legislação, o número de menores a requerer a alteração legal do género não foi além das 11 pessoas. Em 2019 e 2020, 16 pessoas fizeram a mudança, em cada ano. Em 2021, contaram-se 30 menores a fazer esse pedido e 45 em 2022. A menos de duas semanas do fim deste ano, registam-se quase 70 jovens que mudaram de género e de nome, ao abrigo de uma lei “cada vez mais divulgada”, como caracteriza a coordenadora do Grupo de Reflexão e Intervenção Trans – GRIT – da ILGA Portugal, Daniela Bento. Ao todo, em seis anos, foram 187 jovens a assumir, perante o registo civil, um género com que se identificam distinto daquele com que tinham sido registados.
Anteriormente, apenas os maiores de 18 anos podiam requerer a mudança de sexo no cartão de cidadão. A dispensa de relatório médico significou um “avanço civilizacional”, como argumentou a então secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade, Rosa Monteiro, porque contribui para a despatologização da transexualidade e para o direito à autodeterminação da identidade de género.
Em termos globais, houve 529 pessoas a mudar de género e de nome neste ano – o que também representa o maior número registado até ao momento. Dessas, 327 pessoas assumiram o género masculino e 202 o feminino. O ano de 2022 tinha sido já de recordes, a este nível, quando, pela primeira vez num só ano, mais de 500 pessoas (522) requereram a mudança.
Na soma dos últimos 12 anos, 2653 pessoas transgénero viram oficializado nos documentos de identificação o género com que se identificam, segundo o Ministério da Justiça.
“Visibilidade” da lei
Daniela Bento, da ILGA Portugal, admite ao PÚBLICO que há “várias maneiras de olhar para os números”. “Há um factor importante que é a visibilidade que já existe em relação à lei. Também a consciência que as pessoas têm da sua capacidade para se autodeterminarem e para verem a sua realidade validada pesa neste aumento, além de termos uma lei que, neste momento, consegue chegar a pessoas que têm dificuldades financeiras, uma vez que acabou a necessidade de pagar 200 euros pela mudança no registo”, defende.
A lei da identidade de género foi aprovada em 2011, pelo que os números não recuam para além desse ano. Em qualquer que seja o ano analisado, as cidades de Lisboa e do Porto destacam-se pelo maior número de pedidos. O que também resulta evidente nos números a que o PÚBLICO teve acesso é que foi a partir de 2018 que os pedidos de mudança de género no registo civil começaram a aumentar exponencialmente.
As mudanças no âmbito da autodeterminação da identidade e expressão de género não se esgotaram nessa alteração legal e, na última sexta-feira, o Parlamento aprovou as medidas a adoptar nas escolas a esse respeito e que deverão ser enviadas para Belém para promulgação ou veto do Presidente da República.
De acordo com o texto final aprovado, as escolas devem definir “canais de comunicação e detecção”, identificando um responsável ou responsáveis “a quem pode ser comunicada a situação de crianças e jovens que manifestem uma identidade ou expressão de género que não corresponde ao sexo atribuído à nascença”.
Feita a alteração, “a documentação de exposição pública e toda a que se dirija a crianças e jovens”, como as fichas de registo de avaliação, devem adoptar o nome auto-atribuído. A escola tem obrigação de “fazer respeitar o direito da criança ou jovem a utilizar o nome auto-atribuído em todas as actividades escolares e extra-escolares que se realizem na comunidade escolar”.
Apesar dos avanços, Daniela Bento não deixa de lembrar que o número de pessoas transgénero será sempre superior àquele contabilizado no registo civil, isto porque muitas não chegam nunca a fazer essa alteração. E nessa decisão pesam factores pessoais, familiares ou profissionais, por exemplo. “Todas as experiências de todas as pessoas trans são únicas e, como tal, temos de contar que a identidade de uma pessoa trans é autodeterminada por ela própria. Estar no sistema ou não estar não faz dela menos ou mais trans”, declara.