Directas no PS, primárias no país
Não se trata, apenas, de escolher o secretário-geral do que é hoje o maior partido português e do candidato a primeiro-ministro - e isso já não é pouco. Mas desta vez, é um pouco mais.
Têm uma grande responsabilidade os 60 mil militantes socialistas que estão a participar nas eleições directas para o novo líder do Partido Socialista. Não se trata, apenas, de escolher o secretário-geral do que é hoje o maior partido português e do candidato a primeiro-ministro - e isso já não é pouco. Mas desta vez, é um pouco mais.
Estas eleições são mais do que umas normais directas no PS. Pelas circunstâncias em que ocorrem, precipitadas pela queda de um poderoso primeiro-ministro num processo-crime do qual já parece absolvido no tribunal da opinião pública. Pelo calendário, que empurrou o país para novas eleições passado menos de dois anos de conquistada a quarta maioria absoluta de um só partido em 50 anos de democracia. Pelo barulho que tudo isto fez ao cair…
Mas também pela percepção clara de que o tabuleiro político mudou irremediavelmente, nos últimos anos. Desde 2015, entraram quatro novos partidos na Assembleia da República (PAN, IL, Chega e Livre), saiu um que pode voltar (CDS-PP), o partido de direita radical tornou-se o terceiro maior, passando de um para 12 deputados - e, segundo as sondagens, pode duplicar o grupo parlamentar -, e pela consolidação de um partido liberal que, apesar das divisões internas, veio para ficar, e fazer-se contar.
A fragmentação partidária, sendo uma tendência internacional, acontece sobretudo à direita, que era o espaço mais livre do espectro político português. O Chega e a IL brotaram daquele espaço partilhado entre PSD e CDS, partidos que sempre oscilaram ideologicamente entre a social-democracia e o liberalismo, a democracia-cristã e o conservadorismo.
A IL veio afirmar o liberalismo não só na economia, como nos costumes, um dos velhos dilemas do CDS e até do PSD. O Chega assumiu o social-conservadorismo que sempre atravessou a sociedade portuguesa, indo pescar apoios nos ressentimentos tanto de esquerda como de direita. Tudo impulsionado pelos ventos radicais que sopram, no espaço virtual, dos quatro cantos do mundo.
O PSD e o CDS perderam terreno – e muito. E sabem que será muito difícil conquistar metade do Parlamento tendo que abdicar de uma parte de si: é como se lhe tivessem cortado um braço.
E com a Assembleia dividida em dois grandes blocos, mais um renegado que ninguém quer, é este o dilema: quem vai governar com um mínimo de estabilidade? E como?
É esta pergunta que, em consciência, deve atormentar os militantes socialistas que se preocupam mais com o país do que com pequenos poderes. No essencial, são eles que estão a tentar encontrar respostas para o pós-10 de Março.
Estão a escolher entre dois candidatos que propõem respostas diferentes: Pedro Nuno Santos tenta encarnar Costa I, o da geringonça, propondo alianças de governo à esquerda para conter tanto a direita radical como a moderada; José Luís Carneiro faz como Rui Rio e promete apoios ao partido mais próximo, o PSD, exigindo que este faça o mesmo consigo se for ele a ganhar o país, como fez Guterres.
Um deles será o vencedor e, ganhe ou não as legislativas, dele dependerá a duração e consistência do próximo ciclo político.
Por isso as directas no PS são, ao mesmo tempo, umas eleições primárias no país. Consciente ou inconscientemente, os socialistas estão a interpretar o ar político que se respira e a escolher o rumo que se irá seguir.
Melhor seria que fossem umas primárias a sério, de pleno direito. Então sim, os portugueses poderiam começar a desenhar as soluções que realmente querem para o país, em vez de ficarem reféns de engenharias de interesses pós-eleitorais a que são alheios.