Rede criminosa da Operação Admiral lucrou mais de 80 milhões em seis anos
Esquema económico-financeiro reportou um volume de vendas de mais de 420 milhões de euros que permitiu à rede criminosa lucrar 80 milhões de euros em fraude ao IVA.
A rede criminosa visada na primeira acusação em Portugal da Procuradoria Europeia lucrou 80 milhões de euros durante seis anos, numa fraude ao IVA que atravessou diversos países e levou 12 pessoas e 15 empresas a serem acusadas.
Segundo o despacho de acusação da Operação Admiral, a que a Lusa teve acesso, os 12 arguidos estão acusados de um total de 53 crimes, entre os quais associação criminosa, fraude fiscal qualificada, corrupção no sector privado, branqueamento e falsificação de documentos. Já as empresas respondem por um total de 29 crimes, nomeadamente, associação criminosa, fraude fiscal e branqueamento.
Ao longo de mais de 900 páginas, a Procuradoria Europeia (EPPO, na sigla em inglês) descreve o esquema económico-financeiro criado em 2016 pelo cidadão francês Prathikouhn Lavivong e pelo português Filipe Fernandes, em que o primeiro geria toda a estrutura internacional e controlava as transacções, enquanto o segundo ergueu a estrutura operacional em Portugal.
"Implementaram estrategicamente uma sucessão de empresas com que dotaram a rede, logrando delas extrair todas as vantagens criminosas que conseguissem", lê-se no documento, que acrescenta: "Ao todo, a associação logrou eximir-se ao pagamento do montante global de 80.076.336,57 euros devidos a título de IVA à Fazenda Nacional, por reporte a um volume de vendas, líquido que (...) ascendeu a 420.568.581,18 euros".
Este duo mandatou então Max Cardoso, companheiro da apresentadora Ana Lúcia Matos (acusada por branqueamento de capitais, não sendo integrada pela acusação na associação criminosa), para garantir que os níveis inferiores da rede cumpriam "os actos necessários" ao esquema, articulando a cadeia de comando com "testas-de-ferro" angariados por Sandra Garcia.
A estes somavam-se sociedades de primeira, segunda e terceira linha, com diferentes objectivos na operação, sendo produzida documentação suporte para iludir as autoridades. Houve ainda "um papel essencial" desempenhado pelo gestor bancário Nuno Cancela, que terá facilitado a criação e movimentação de contas bancárias controladas pelos arguidos, contornando as normas de prevenção e combate ao branqueamento.
Na origem do esquema estava a aquisição de bens informáticos por empresas portuguesas a fornecedores estrangeiros, que eram levados directamente para centros logísticos em França sem passarem por Portugal. Esses equipamentos eram então essencialmente vendidos na plataforma Amazon Marketplace, onde um utilizador que comprasse um produto fazia o respectivo pagamento à Amazon, que depois transferia o dinheiro (com o desconto da comissão) para a conta bancária associada à conta do vendedor.
Procurando tirar proveito das regras comunitárias de isenção de IVA nas transacções transfronteiriças entre estados-membros da União Europeia (UE), as empresas criadas em Portugal pela rede facturavam como se a Amazon (sedeada no Luxemburgo) ou a MediaMarkt fossem o verdadeiro cliente final, beneficiando do cumprimento de três aspectos necessários para a isenção do IVA em território nacional.
"Os bens adquiridos aos fornecedores tinham supostamente por destino um cliente empresarial situado no Estado-membro de chegada dos bens e não se destinavam a ser recebidos em Portugal; o suposto adquirente dos bens, Amazon/Mediamarkt, estava aí registado para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado; e nas facturas fizeram constar falsamente que a Amazon/Mediamarkt eram devedores do imposto", explica a EPPO.
Além desta actividade, que se estendeu por Portugal, França, Dubai, Chipre ou Estados Unidos da América, a alegada rede criminosa acabou por enveredar também pela área do imobiliário e pelo comércio de artigos de luxo, como relógios, jóias e automóveis.
Os arguidos Prathikouhn Lavivong, Filipe Fernandes, Sandra Garcia e Max Cardoso (que já tinha sido condenado em França em 2021 por fraude e branqueamento a três anos de pena suspensa e a inibição de gerir ou controlar quaisquer sociedades) estão em prisão preventiva, e Isabelle Lafontaine encontra-se em prisão domiciliária. Entende a acusação que se mantêm os perigos de fuga, de continuação da actividade criminosa e de perturbação do processo.
Foi ainda determinada a extracção de certidões em relação a diversos arguidos para continuar com mais investigações. A Operação Admiral foi desencadeada em Novembro de 2022 com diligências em mais de uma dezena de países europeus, encontrando ligações com mais de nove mil outras companhias e de 600 pessoas.
A Procuradoria Europeia é um órgão independente com competência para investigar, instaurar acções penais e deduzir acusação e sustentá-la na instrução e no julgamento contra os autores das infracções penais lesivas dos interesses financeiros da UE (por exemplo, fraude, corrupção ou fraude transfronteiriça ao IVA superior a 10 milhões de euros).