Sondagem: o centro não se aguenta
“As coisas desmoronam-se; o centro não se consegue sustentar”, escreveu o poeta irlandês W. B. Yeats, no celebrado poema The Second Coming, escrito na sequência da I Guerra Mundial. É fácil lembrarmo-nos desse verso, quando se lêem os resultados da sondagem RTP-PÚBLICO que publicamos esta segunda-feira, que mostram a descida acentuada das forças que têm sido centrais ao sistema político português. Sondagens são sondagens, mas há uma tendência que não pode ser negligenciada.
O centro está sob pressão e, se o dia 10 de Março confirmar a tendência, assim poderá terminar a excepção portuguesa, com esse canto do cisne que foi a mais que improvável maioria absoluta que agora termina. Se, em toda a Europa, os partidos que eram centrais na alternância política no pós-guerra foram diminuindo a sua influência, alguns mesmo desaparecendo, para dar lugar a um cenário politicamente mais fragmentado, não eram os Pirenéus que poderiam evitar esta mudança entre nós.
Também em Portugal a democracia tem mostrado dificuldade em responder ao desafio existencial do aumento das desigualdades, que ajudam a alimentar o mal-estar que leva muitos a desacreditar do sistema. Um Estado social forte, que teve capacidade para mitigar problemas como os criados pela pandemia ou pela crise económica, foi a resposta possível que ajudou a atenuar o desconforto em que vivem muitos eleitores.
Ao contrário de outros países, também não são as guerras identitárias ou os problemas de imigração que têm servido de combustível para o crescimento das forças que se vão desenvolvendo dentro, mas contra, o sistema. Restava o descrédito da classe política e o problema da corrupção e 2023 foi mais do que pródigo em juntar mais achas para a fogueira.
Não se estranhe, por isso, que as forças que melhor personificam estes quase 50 anos de democracia estagnem ou caiam (PSD e PS), enquanto as que mais têm erguido a bandeira da disrupção (Chega e IL) cresçam.
Ainda há muito caminho para percorrer e ainda há muitos indecisos para convencer, como mostra a sondagem. Mas quem quer defender o sistema, obrigando-se sempre a melhorá-lo, só pode ficar inquieto quando as acusações de radicalismo se repetem, tanto vindas dos socialistas como dos sociais-democratas. Afinal, se todos se pintam de radicais, porque há-de o eleitor conseguir distingui-los daqueles que até gostam do epíteto? Os líderes das forças centrais do sistema deviam perceber que nas eleições que se aproximam têm muito maiores responsabilidades do que simplesmente vencer.