“Levas um balázio.” PSP diz em julgamento que a frase não era dirigida a Cláudia Simões
Carlos Canha defende que usou aquela expressão contra quem impedia a detenção. Nenhum dos presentes que testemunharam em tribunal esta quarta-feira confirmou que havia cidadãos a agredi-lo.
À terceira sessão, Carlos Canha, o polícia que está a ser julgado no caso de agressões a Cláudia Simões e que é acusado do maior número de crimes, vestiu a farda para depor. Nas outras sessões o agente tem ido à civil, ao contrário dos dois colegas e arguidos.
Nesta quarta-feira foi reproduzido um vídeo da noite dos acontecimentos em Janeiro de 2020, na paragem de autocarro do Bosque, onde se ouve o choro constante de uma criança – que a advogada diz ser a filha de Cláudia Simões. Ouve-se Cláudia Simões a gritar: “Ele quer furar-me um olho.” E ouve-se igualmente Canha a dizer “esta gente não sabe as leis”. E a afirmar: “Levas um balázio.”
A juíza quis saber porque é que Canha, que reconheceu ter proferido aquela afirmação, a usou. Canha alegou que foi dirigida a um cidadão que se estava a insurgir contra a detenção e foi uma forma de o “dissuadir”.
Nenhum dos outros dois polícias, nem outros cidadãos que estavam no local e que testemunharam em tribunal, se lembra de ter visto cidadãos a interferirem na detenção ou a agredir o agente. Ao tribunal, Canha reiterou que foi agredido várias vezes. O vídeo mostra também o agente a dizer a Cláudia Simões: “Morde, morde, morde.”
Carlos Canha e Cláudia Simões são ambos ofendidos e arguidos: Canha está acusado de três crimes de ofensa à integridade física qualificada, três de sequestro agravado, um de abuso de poder e outro de injúria agravada contra Cláudia Simões e contra outras duas vítimas; Simões é acusada de ofensas à integridade física qualificada por ter mordido no polícia durante a detenção.
O caso começou com a entrada de Cláudia Simões e a filha no autocarro da Vimeca – a filha não mostrou nem passe, nem bilhete e o motorista terá chamado a atenção desse facto; chegados à paragem, o motorista interpelou Carlos Canha, que estava a passar na rua e que procedeu à detenção desta mulher de 46 anos, cozinheira e empregada doméstica. Simões acusa Canha de a agredir nessa altura e dentro do carro a caminho da esquadra, provocando-lhe lesões no rosto e cabeça. Carlos Canha alega que usou a força estritamente necessária para a detenção.
Este polícia já por várias vezes disse, em outras sessões, que os ferimentos no rosto desta mulher foram provocados pela algemagem quando esta resistia à sua detenção. Alegou ainda que Simões se atirou para o chão quando chegaram à esquadra, depois de ter sido detida, e que terá sido aí também que se lesionou.
Mas João Gouveia, agente que ia no carro, disse que era “impossível” que os ferimentos no rosto desta mulher tivessem acontecido à saída do carro, à porta da esquadra, já que foi ele próprio quem a retirou evitando que caísse no chão.
João Gouveia, acusado pelo Ministério Público de abuso de poder e de nada ter feito para evitar a agressão – tal como outro polícia, Fernando Rodrigues – disse ter chamado o INEM quando chegaram à esquadra devido ao facto de Simões estar inanimada. Ao tribunal reconheceu ainda que afirmou, nessa chamada, reproduzida em sala de audiência: “Vai-nos f**** a todos...”
Na reprodução ouviu-se a expressão referida mas ficou na dúvida do tribunal sobre se o agente teria dito “a gaja”, como alegava a advogada de Cláudia Simões (“a gaja vai-nos f**** a todos”).
Vítima diz ter levado murro de Canha
Na sessão depôs ainda outra das vítimas deste processo, Quintino Gomes, de 63 anos. Este homem acabaria por ser levado para a esquadra, onde diz que levou um murro de Canha que lhe provocou um quisto.
Foi um depoimento nem sempre claro, por isso este homem acabou por ser confrontado com versões contraditórias que o próprio contou à PSP, ao Ministério Público e ao tribunal. À PSP e tribunal disse que Canha apenas deteve Cláudia Simões sem a agredir, mas ao MP, em sede de investigação, disse que testemunhou agressões.
Já o motorista referiu que, naquela noite, Cláudia Simões entrou no autocarro com a filha e outro cidadão sem que a filha tivesse mostrado título de viagem ou passe. Segundo a sua versão, ele chamou-lhe a atenção por isso, mas Simões referiu que não tinha passe e não ia comprar o bilhete. Garantiu que a ouviu dizer ao telefone, por três vezes, que “o motorista precisa de levar uma surra”.
Também o companheiro de Cláudia Simões depôs nesta sessão. Diz que conseguiu ir ter com a mulher à esquadra antes de ela ser levada para o hospital e que, quando a viu, estava com a cara “toda partida”. Já no hospital Amadora-Sintra, referiu ter visto Carlos Canha com a mão ligada e ouviu-o dizer: “A preta tem muita força”, “queria arrancar-lhe os dentes e não consegui”.