Morreu Carlos Avilez, fundador do Teatro Experimental de Cascais
Histórico do teatro português, estreou-se como actor em 1956, mas seria na encenação que deixaria marca profunda. Faleceu após dar entrada no Hospital de Cascais com uma indisposição. Tinha 88 anos.
O encenador e actor Carlos Avilez morreu esta terça-feira, aos 88 anos, vítima de paragem cardiorrespiratória, no Hospital de Cascais. A notícia foi confirmada ao PÚBLICO por fonte da Escola Profissional de Teatro de Cascais, do qual foi um dos fundadores.
Carlos Avilez deu entrada na terça-feira no Hospital de Cascais com uma indisposição, e viria a falecer cerca das 2h da madrugada naquela unidade hospitalar, informa a Lusa.
"É com imenso pesar que o Teatro Experimental de Cascais anuncia a morte do encenador Carlos Avilez, vítima de doença cardíaca", informa em comunicado enviado à imprensa a companhia que fundou e a que se dedicou até ao fim da vida. São destacados, no seu longo percurso profissional, as funções que assumiu enquanto director do Teatro Nacional São João e do Teatro Nacional D. Maria II, bem como a de presidente do Instituto de Artes Cénicas (IAC) e a criação, em 1993, da Escola Profissional de Teatro de Cascais.
Carlos Vítor Machado nasceu em 1935, e estreou-se profissionalmente como actor em 1956, na Companhia Amélia Rey Colaço - Robles Monteiro, onde permaneceu até 1963.
A ligação ao teatro, teve-a desde tenra idade por influência familiar. Os avós paternos eram empresários teatrais, as tias levavam-no frequentemente às salas. O fascínio pelo palco, pela encenação e pelo trabalho dos actores, enfim, a tantas vezes referida magia do teatro, nasceu, portanto, ainda na infância e não mais se desvaneceria. Estudante universitário de Matemática e Físico-Química, dedicava-se também ao teatro amador.
Momento decisivo, primeiro, a escolha do apelido com o qual ficará inscrito na história do teatro português – contava à revista Visão, em Abril deste ano, que fora numa esplanada na Costa da Caparica, aos 17 anos, que Carlos Vítor Machado se tornara Avilez. Momento decisivo, depois, a carta que escreveu, sem esperar resposta, a Amélia Rey Colaço, manifestando-lhe o desejo de dedicar a vida à representação. Uma semana depois, estávamos em 1956, já ensaiava no Teatro Nacional D. Maria II.
Seria também Amélia Rey Colaço a mostrar-lhe qual seria, na verdade, o seu papel no mundo do teatro. Que estava equivocado, que não era actor, mas sim, encenador. Encenador seria e foi, com impacto imediato.
Em 1963, causa escândalo e admiração em doses iguais a sua A Castro, de António Ferreira, na Guilherme Cossoul, em Lisboa, com os actores vestidos com roupas contemporâneas, algo raro à época, e o coro feminino do original transformado em coro masculino – neste período, encena também no Teatro Experimental do Porto e dirige o CITAC, em Coimbra. Em 1965, está na Guilherme Cossoul a ensaiar a Esopaida, de António José da Silva, O Judeu, quando sabe da existência de um teatro desocupado em Cascais, o Gil Vicente.
Meses depois, em Novembro, nascia o Teatro Experimental de Cascais, que Carlos Avilez fundou com Maria do Céu Guerra, João Vasco ou Zita Duarte, entre outros. Foi a primeira companhia profissional portuguesa a trabalhar fora de Lisboa e do Porto. "A ideia de ir para Cascais também tinha a ver com o facto de os movimentos artísticos na Europa estarem a acontecer fora das grandes cidades, mas na altura foi insólito, porque Cascais era longíssimo!”, recordava ao PÚBLICO em 2005, quando do 40.º aniversário da companhia.
Lugar ao repertório esquecido
Ali cresceria, ainda muito jovem, a sua aura enquanto encenador – e ali dirigiria a sua mentora, Amélia Rey Colaço, bem como Eunice Muñoz, em Fedra, no ano de 1967. No texto supracitado, Lia Gama chamava-lhe “o primeiro encenador-vedeta” e Jorge Silva Melo destacava “a descoberta de um repertório esquecido” trazida pelo TEC. “Que coisa mais extraordinária do que começar uma companhia com essa obra-prima que é a Esopaida do Judeu – que ninguém fazia!”, exaltava. Rompendo com as formas mais convencionais de encenação, tornou o TEC uma referência. E, em tempos de ditadura, uma companhia seguida atentamente pelo Estado Novo.
Em 1970, depois de uma encenação de Breve Sumário da História de Deus, com Mário Viegas e Fernanda Alves, o TEC fica impedido de levar as suas peças para fora do Teatro Gil Vicente – de nada valeu argumentar com as autoridades que não interviera no texto, que as palavras eram todas de Gil Vicente. Três anos depois, a censura proíbe No Tempo dos Assassinos, de José Triana, numa encenação de Jorge Listopad, na véspera da estreia.
Muitos anos depois, Diogo Infante, seria testemunha do seu arrojo e método de trabalho. Estreou-se profissionalmente no TEC em 1989, em A Morte de Danton, de Büchner, e, em 2005, descrevia o trabalho de Avilez: “A sua persona imprime um cunho pessoal às peças; ele sabe muito sobre carpintaria de palco, sabe fazer crescer o espectáculo até agarrar o público e é muito ecléctico nas peças que escolhe."
Agraciado com a Comenda da Ordem do Infante D. Henrique, assumiu, enquanto presidente do IAC, a direcção do Teatro Nacional D. Maria II, mas o TEC seria para sempre a sua casa. Há meros quatro dias, celebrava-se no Teatro Municipal Mirita Casimiro, casa do TEC, a estreia de Electra, de Eugene O’Neill. Esta quarta-feira, soubemos que é a sua última encenação.
Com Lusa
Corrigido às 15h18: Diogo Infante formou-se na Escola Superior de Teatro e Cinema e não na Escola Profissional de Teatro de Cascais, como anteriormente indicado.
Corrigido no dia 24 para precisar que Carlos Avilez foi director do D. Maria, mas não do Teatro Nacional São João.