Em defesa da liberdade de expressão

O fim da liberdade de expressão, ainda que de forma lenta e muitas vezes subliminar, será o fim da democracia liberal como a conhecemos.

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Na abertura de mais uma Web Summit, a sua nova diretora-executiva, Katherine Maher, declarou enfaticamente que, "se não tivermos direito à liberdade de expressão e debate, estes palcos ficam vazios".

Também, segundo dados recentemente revelados quer pela Repórteres sem Fronteiras, que publica o seu registo desde 1995, quer pelo Comité para a Proteção dos Jornalistas, que o faz desde 1992, o ano de dois mil e vinte e dois foi o pior para o exercício da liberdade de expressão.

Ou seja, por muitas e já debatidas razões, a liberdade de expressão está cada vez mais a ser posta em causa, numa sociedade de vigilância onde tanto se apregoa e abusa de palavras como, identidade, respeito, inclusão, reconhecimento ou transparência.

O ataque vem dos extremos, tanto à esquerda, como à direita e assume novos foros com o cancelamento linguístico e a condenação ao ostracismo ou morte social, crescendo mesmo exponencialmente através da utilização dos meios de digitais, com a Internet, paradoxalmente, a funcionar enquanto barreira à própria liberdade de expressão.

Mas também, e cada vez mais, dos que se autocensuram, umas vezes por preguiça ou falta de coragem, outras vezes, por receio de retaliação profissional ou política.

E por fim, mas não menos importante, a ameaça vem ainda da inevitável pressão do poder político, qualquer que seja a sua matriz. Não é, aliás, por acaso que nas autocracias a primeira vítima é sempre a liberdade de expressão, acompanhada da ameaça à liberdade física, quantas vezes seguida da própria morte do indivíduo que arriscou expressar-se.

Com a sua génese nos séculos XXVII e XVIII, a liberdade de expressão assenta na ideia de tolerância, no respeito pelo outro, na ideia de aperfeiçoamento pela razão, na ideia de que nenhum interveniente numa discussão tem a última palavra e que os factos devem a sua força probatória à comprovação empírica e não a um qualquer argumento de autoridade. No fundo, saber lidar com a crítica, com o pluralismo das ideias e valores, com a confrontação objetiva da verdade dos factos, para além das narrativas ideológica ou religiosamente enviesadas.

Estaremos nós, no final do primeiro quarto de século XXI, a assistir ao fim da liberdade de expressão, que nos legou o iluminismo e que se encontra plasmada na primeira emenda da Constituição dos Estados Unidos da América, o famoso free speech, e que acabaria consagrada nas diversas Cartas de Direitos por esse mundo fora, incluindo no artigo 39.º da Constituição da República Portuguesa?

É que o fim da liberdade de expressão, ainda que de forma lenta e muitas vezes subliminar, será o fim da democracia liberal como a conhecemos. Não será o fim das democracias, porque já sabemos da história, que muitas podem ser iliberais. Mas será o fim do liberalismo, na sua matriz clássica, assente no Estado de Direito, na tolerância, no pluralismo e diversidade de valores, que enraíza os pilares do nosso atual modelo de exercício do poder político.

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