Hospitais do Norte de Gaza “estão a ser transformados em cemitérios”
Ataques do Exército de Israel forçam a fuga do pessoal médico, que abandona recém-nascidos e pacientes com ferimentos graves. Presidente francês pede fim de ataques contra civis.
No interior do maior hospital de Gaza, o Al-Shifa, por trás das portas do bloco de pediatria e das acusações de Israel de que o edifício é uma base do Hamas, pelo menos um bebé prematuro morreu, neste sábado, e quatro dezenas de recém-nascidos estão em situação grave devido à falta de energia eléctrica.
O desespero no Hospital de Al-Shifa, relatado neste sábado pelas autoridades de Saúde de Gaza (tuteladas pelo Hamas), foi confirmado pelo director da Cruz Vermelha Internacional no Médio Oriente, Fabrizio Carboni, numa mensagem publicada na rede social X.
“A informação que temos do Hospital Al-Shifa é angustiante”, disse Carboni. “Isto não pode continuar assim. Milhares de feridos, pessoas deslocadas e pessoal médico estão em risco.”
Pouco depois, o director-geral da Cruz Vermelha, Robert Mardini, fazia eco dos apelos de Carboni, ao denunciar “a situação desesperante e insuportável para os pacientes e o pessoal médico [do Hospital de Al-Shifa] que estão encurralados no interior”.
“Estamos chocados com as imagens e os relatos que nos chegam do hospital”, disse Mardini. “Os hospitais, os pacientes e o pessoal médico têm de ser protegidos. Ponto final.”
“Situação catastrófica”
O número de recém-nascidos em risco de vida no Hospital de Al-Shifa varia consoante as fontes, mas ronda as quatro dezenas, avança a BBC — 45, segundo o Ministério da Saúde de Gaza; e 39, de acordo com o Ministério da Saúde da Cisjordânia, tutelado pela Autoridade Nacional Palestiniana.
O que parece não suscitar dúvidas é que os ataques israelitas nas imediações do hospital “intensificaram-se de forma dramática nas últimas horas", segundo a organização Médicos sem Fronteiras (MSF).
“A nossa equipa comunicou-nos, há poucas horas, que a situação no Hospital de Al-Shifa é catastrófica”, disse a organização na rede social X, na manhã deste sábado.
Segundo um dos coordenadores da MSF em Gaza, Mohammed Abu Mughaisib, os hospitais no Norte do território — e não apenas o de Al-Shifa — “estão a ser transformados em cemitérios”.
“O pessoal médico teve de fugir do Hospital Al-Nasr após o bombardeamento da ala pediátrica e não conseguiu salvar os bebés. Cinco bebés ficaram sozinhos, na unidade de cuidados intensivos e ligados a ventiladores”, disse Mughaisib ao Washington Post. “Esta é a situação em que nos encontramos: temos de abandonar bebés sozinhos e ligados a ventiladores.”
Macron pede contenção
Na sexta-feira, o Presidente francês, Emmanuel Macron, fez uma dura crítica à actuação do Exército israelita em Gaza, numa entrevista à BBC, no Palácio do Eliseu, em que apelou a Israel a que ponha fim “ao bombardeamento de bebés, mulheres e idosos”.
“Não há nenhuma razão para isto, nem legitimidade”, afirmou Macron, ao mesmo tempo que voltou a condenar, “com toda a clareza”, o “ataque terrorista” do Hamas contra civis israelitas, a 7 de Outubro, que fez pelo menos 1200 mortos, segundo o balanço mais recente das autoridades de Israel.
Na mesma entrevista, o Presidente francês sublinhou que a conferência sobre a situação em Gaza, que decorreu na sexta-feira, em Paris, e em que participaram representantes de mais de 50 países, concluiu que “a única solução para proteger os civis que nada têm que ver com os terroristas é uma pausa humanitária seguida de um cessar-fogo”.
Numa reacção às declarações de Macron, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, disse que os líderes políticos ocidentais deviam focar-se na condenação do Hamas.
“Os crimes que o Hamas está a cometer hoje em Gaza serão cometidos amanhã em Paris, em Nova Iorque e em qualquer outra parte do mundo”, disse Netanyahu num comunicado publicado pelo seu gabinete.
Irão pressiona vizinhos
Neste sábado, o Irão — um dos principais financiadores do Hamas — instou todos os países islâmicos a cortarem relações com Israel e a catalogarem o Governo israelita como uma “organização terrorista”, durante a cimeira da Organização para a Cooperação Islâmica, na Arábia Saudita.
O apelo a um bloqueio a Israel, feito pelo Presidente iraniano, Ebrahim Raisi, está longe de ser bem acolhido noutros países da região, que preferem concentrar esforços na exigência de um cessar-fogo imediato em Gaza.
Tal como já aconteceu noutras ocasiões na última década, o Governo israelita acusa o Hamas de usar o Hospital de Al-Shifa como uma base de operações.
Foi de lá que saiu uma caravana de ambulâncias que foi atacada pelas forças israelitas no início do mês, e que segundo as autoridades de Israel transportava militantes do Hamas — uma informação desmentida pela liderança do movimento islamista e que não foi confirmada por fontes independentes. Segundo o Crescente Vermelho Palestiniano, 15 civis foram mortos no ataque.