Marcelo e a “dignidade” de João Galamba

Marcelo não podia fazer outra coisa que não fosse optar por eleições antecipadas, mas é imperdoável que se tenha esquecido de Galamba.

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Marcelo Rebelo de Sousa teve um papel decisivo no início dos mandatos de António Costa como primeiro-ministro, quando a “geringonça” ainda parecia uma efabulação e o país continuava profundamente dividido. A ferida da queda abrupta do Governo de Pedro Passos Coelho, em 2015, ainda ardia e, na altura, o Presidente da República, de direita, ajudou o país a reconciliar-se com algumas regras da democracia que constavam do papel, mas que raramente tinham sido postas em prática.

Marcelo Rebelo de Sousa, contrariando até a sua área política de origem, entendeu que devia contribuir para apaziguar a crispação que se vivia e que essa era a atitude mais responsável.

Da mesma forma, Marcelo Rebelo de Sousa, perante a crise que rebentou esta semana nas mãos do actual Governo envolvido em suspeitas de favorecimento e corrupção, podia ter optado por pedir ao PS, que há pouco mais de um ano conseguiu uma maioria absoluta histórica, que formasse novo governo e indicasse novo primeiro-ministro. A bem das instituições e da confiança dos portugueses, não o fez.

Aliás, mesmo que Marcelo não tivesse dito o que disse na tomada de posse do actual executivo, deixando claro que, se algum dia Costa saísse, teria de haver eleições antecipadas, faria bem em dissolver o Parlamento.

De acordo com a Constituição, o primeiro-ministro é nomeado pelo Presidente da República, “ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais”. Nada na lei obriga a que o primeiro-ministro seja candidato a deputado nas eleições legislativas, mas alguém aceitaria que fosse de outra forma? Em 2004, a substituição de Durão Barroso por Santana Lopes provou como um primeiro-ministro assim indicado não tem legitimidade política. Poderia ser diferente com Mário Centeno, o governador do Banco de Portugal, nome que Costa sugeriu a Marcelo para o substituir?

Perante a gravidade das suspeitas que estão instaladas, perante buscas em que foram encontrados cerca de 75 mil euros em dinheiro na sala de trabalho do chefe de gabinete do primeiro-ministro, as eleições antecipadas são a única forma possível de clarificação.

O que já não é compreensível é a manutenção de João Galamba como ministro das Infra-Estruturas após ter sido constituído arguido por suspeitas de crimes de prevaricação, de corrupção activa e passiva de titular de cargo político e de tráfico de influência, ou seja, factos relacionados com o actual exercício de funções governativas. Esteve esta sexta-feira no Parlamento a falar sobre o Orçamento do Estado para 2024 e, indignado com algumas perguntas de deputados da oposição, garantiu que ali estava para responder a todas as questões sobre o Orçamento “com dignidade”. O facto de ainda ser ministro não é digno para ninguém. E sobre isto o próprio Presidente da República deve uma explicação ao país.

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