Presidente enviou metadados ao TC por ainda ser permitida “recolha indiscriminada”
Solução aprovada pela AR permite conservação de dados de todos os utilizadores durante três meses, renovada por mais três se não houver oposição. Tribunal tem que se pronunciar até 1 de Dezembro.
Tal como prometera há meses, o Presidente da República, enviou esta segunda-feira à tarde o decreto do Parlamento sobre metadados para o Tribunal Constitucional (TC). Há ano e meio que Marcelo Rebelo de Sousa alegava que "não pode haver sombra de dúvida sobre a constitucionalidade" do novo diploma que pretende resolver a declaração de inconstitucionalidade da conservação dos metadados para fins de investigação criminal, decretada pelo TC em Abril do ano passado. "Importa, pois, verificar, se o Tribunal considera que a Assembleia da República teve sucesso" na sua tentativa de resolver as inconstitucionalidades que foram apontadas à lei que vigorava desde 2008, justifica o Presidente.
"Resulta da leitura das normas sindicadas que, não obstante ter sido reduzido o prazo para a conservação dos dados de tráfego, pode interpretar-se que se pode continuar a permitir a sua recolha indiscriminada, o que pode não se conformar com o decidido pelo Tribunal no acórdão citado", considera Marcelo Rebelo de Sousa no requerimento que enviou ao TC, que tem 25 dias para se pronunciar (até 1 de Dezembro).
Essa recolha indiscriminada e conservação dos dados de tráfego e localização das comunicações telefónicas e electrónicas (incluindo todos os acessos de internet) por parte dos operadores de telecomunicações, durante 12 meses, ultrapassa aquilo que o tribunal entendia serem os "limites da proporcionalidade" dos direitos fundamentais à reserva da intimidade da vida privada e à autodeterminação informativa (neste último caso porque os cidadãos não eram informados sobre o facto de os seus dados serem usados para investigação criminal).
"O tribunal afirmou então que a recolha indiscriminada destes dados violaria, só por si, o princípio da proporcionalidade, perdendo relevância a apreciação dos demais elementos, entre os quais o prazo", afirma o Presidente. Ou seja, se a regra de se poderem recolher e guardar os dados de toda a população for considerada inconstitucional, nem sequer importa por que prazo isso seja previsto, porque é a questão de base da conservação que está em causa.
Marcelo acrescenta ser necessário também "verificar se a notificação ao visado, nos termos em que é prevista na nova redacção, satisfaz as exigências" do Tribunal Constitucional.
Por isso, Marcelo Rebelo de Sousa pede ao TC que se debruce sobre toda a base do decreto da Assembleia que estabelece as regras para a conservação dos metadados por três meses (extensíveis até seis se o titular não se opuser, ou até um ano mediante autorização judicial pedida pelo procurador-geral da República e dada pelo Supremo Tribunal de Justiça), mas também as normas para a comunicação ao visado que os seus dados foram guardados para investigação.
O TC considerava inconstitucionais as regras do tempo de conservação indiscriminada de dados de tráfego e localização de chamadas, mensagens e ligações de internet de toda a população por 12 meses, a falta de garantia do armazenamento num país da União Europeia e ainda o facto de o utilizador não ser informado sobre o uso dos seus dados para investigação criminal.
A solução encontrada nas negociações entre PS e PSD acabou por ignorar as propostas do Governo (que era até completamente diferente, usando os dados da facturação) e dos sociais-democratas, e ressuscita a lei de 2008 que havia sido ferida de morte com a declaração de inconstitucionalidade. Incluiu as garantias de segurança da informação, de transparência e fiscalização exigidas pelo TC e reduziu para três meses o prazo para a guarda da informação.
Mas até os deputados admitem não estarem completamente confiantes e confortáveis com o desenho que fizeram e esperam que o acórdão do TC, se voltar a considerar inconstitucional a conservação indiscriminada, pelo menos que lhes deixe pistas sobre a solução que poderá vir a ser aceite no futuro, como aconteceu na sua última decisão sobre a morte medicamente assistida.
Título corrigido às 20h47: o Presidente fala em "recolha indiscriminada" e não "conservação indiscriminada"