TAP: oposição concorda com veto, mas esquerda quer travar venda e direita critica processo

PSD compreende a devolução ao Governo do decreto de privatização da TAP pelo Presidente e defende que é fundamental assegurar um “mecanismo de acompanhamento” do processo de alienação.

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Governo aprovou em Setembro decreto de privatização da TAP e o Presidente devolveu esta sexta-feira o diploma ao executivo Miguel Manso
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Foi sem surpresas que o PSD recebeu a notícia de que o Presidente da República vetou o decreto do Governo para a privatização da TAP que foi aprovado pelo Conselho de Ministros em Setembro passado. À direita dos sociais-democratas, IL e Chega criticam a forma como o executivo está a conduzir este processo e pedem transparência, enquanto à esquerda do PS o Bloco e o PCP garantem que a única forma de resolver o problema é recuar na intenção de privatizar a empresa. Já os socialistas encaram com naturalidade o veto do chefe de Estado, acreditando que primeiro-ministro e Presidente “continuarão seguramente a interagir para chegar a um bom resultado”.

O vice-presidente social-democrata Miguel Pinto Luz defende que esta decisão de Marcelo Rebelo de Sousa deve, neste momento, pôr “em causa qualquer tipo de alienação” da companhia aérea. Para Pinto Luz, este veto é apenas mais um episódio numa novela com "oito anos de ziguezagues, de incerteza, de pouca transparência, de enorme opacidade, de governação ligeira”, num processo que levou o Estado a injectar mais de 3,2 mil milhões de euros na transportadora aérea, recordou em declarações à RTP3.

Mas para o também vice-presidente da Câmara de Cascais, “este episódio reveste-se de particular gravidade” tendo em conta que “os pontos” que o Presidente da República sinaliza para vetar o diploma são “são a marca de água” da governação do PS.

Marcelo apontou três problemas ao decreto do executivo de António Costa, o primeiro dos quais a “incapacidade de acompanhar a TAP de uma forma clara e objectiva”, salienta Pinto Luz. “Não fica claro como é que o Estado vai garantir que o interesse estratégico” que a empresa representa para o país será assegurado, afirma o social-democrata.

Nesse sentido, Miguel Pinto Luz recorda a privatização feita pelo Governo de Passos Coelho em 2015, e na qual o próprio participou como governante, que previa um “mecanismo de acompanhamento” para garantir o interesse estratégico.

“Não fica claro que tem que existir uma comissão de acompanhamento”, insiste, defendendo que tal facto, aliado à decisão de Marcelo, “coloca em causa qualquer tipo de alienação”. “O Estado não pode alienar uma companhia sem garantir que o seu papel estratégico para o país está absolutamente cristalizado e que quem vier a comprar está obrigado a cumprir esses requisitos", disse.

Já os outros dois pontos apontados por Marcelo “têm a ver com a falta de transparência de todo o processo”, resumiu o vice-presidente do PSD.

No caso de o decreto, mesmo após eventual promulgação, ser chamado ao Parlamento – Bloco e PCP admitem pedir a apreciação parlamentar para tentarem travar a alienação –, Pinto Luz não esclarece que posição adoptaria o PSD, preferindo "aguardar" para "ver como é que o Governo responde” ao veto de Marcelo.

"Solução é não privatizar"

Tanto o PCP como o Bloco de Esquerda, que se opõem à saída da empresa da esfera pública, reagiram considerando que as questões colocadas pelo Presidente só podem ser resolvidas recuando na decisão de privatizar a companhia.

À Lusa, o membro da comissão política do PCP, Vasco Cardoso, afirmou que o veto "traduz várias das preocupações” dos comunistas relativamente a um processo que considera ser um "crime económico contra os interesses nacionais". "As preocupações avançadas pelo Presidente da República não podem ser respondidas se o processo de privatização for por diante, só uma TAP pública ao serviço do desenvolvimento do país é que pode garantir as preocupações que invocou", disse.

Na mesma linha, o Bloco, pela voz do eurodeputado José Gusmão, defendeu que as preocupações enunciadas por Marcelo “têm uma solução e a solução é não privatizar a TAP". “Não existe uma boa modalidade de privatização da TAP. Não existe um bom formato para uma péssima decisão”, disse, também citado pela Lusa.

IL e Chega querem "transparência"

Também para os liberais, ainda que defendam a privatização, de preferência da totalidade do capital, as dúvidas apontadas pelo Presidente da República “fazem sentido”. “Concordamos com a privatização da TAP e até defendemos que seja a 100%, mas tem de ser legal e transparente”, apontou o deputado Bernardo Blanco em declarações à RTP3.

Com os pontos que apresenta, Marcelo Rebelo de Sousa mostra que “não quer que o Governo arranje uma forma habilidosa” para “aumentar o valor da TAP”, mas sim quer a venda pelo “valor real”, diz o deputado da IL. Blanco considera ainda que Marcelo quer “saber se, afinal, o Estado vai ter alguma intervenção [na TAP] ou não”.

Já o líder do Chega recorreu à rede social X para afirmar que a decisão do Presidente de vetar este diploma “é o corolário da incompetência e da teimosia do Governo". "Era preciso clareza, transparência e a garantia de que os contribuintes não ficavam a perder. O Governo fez o contrário! Merecido veto”, escreveu André Ventura.

"Normal no processo legislativo"

Pelo PS, o líder parlamentar encara com naturalidade a decisão de Marcelo - “normal no processo legislativo” -, notando que o Governo irá agora “ponderar o conjunto de aspectos que o Presidente da República levanta”.

São Bento e Belém “continuarão seguramente a interagir para chegar a um bom resultado”, acrescentou Eurico Brilhante Dias, em declarações feitas em Coimbra, à margem de um plenário de militantes da federação socialista local.

Para o deputado, que considera a “preocupação” evidenciada pelo Presidente “legítima”, “no limite” o dossier da privatização sairá fortalecido “com o processo de interacção entre dois órgãos de soberania”.

Já em relação à posição de Pinto Luz, Brilhante Dias disse: “Continuo a achar absolutamente extraordinário como o PSD coloca a comentar este caso um vice-presidente que foi o secretário de Estado que, numa noite em que o Governo já tinha caído, acabou por privatizar a TAP.”

Notícia actualizada pela última vez com a reacção de Eurico Brilhante Dias

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