Como é que a agricultura sustentável pode ser a solução para a indústria da moda?

De acordo com a Confederação da Indústria Britânica, a procura de algodão produzido através deste tipo de agricultura, que representou quase 20% do fornecimento global em 2020, está a aumentar.

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A fibra do algodão da Túrquia Adriano Miranda
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Entre as filas de algodão em crescimento, os caules secos do trigo e da beterraba cobrem grande parte do terreno agrícola perto da costa turca do mar Egeu, ajudando a reter os nutrientes e a humidade do solo — mesmo com o calor abrasador aqui se faz sentir. Nos campos vizinhos, onde o algodão está a ser cultivado sem este cobertor protector, as plantas murcham e secam sob o sol.

“Um solo mais saudável é sinónimo de um algodão mais saudável”, começa por explicar Basak Erdem, gestor dos campos de algodão que pertencem e são geridos pelo fabricante Soktas, com sede em Soke, na província de Aydin.

Passaram-se quatro anos desde que a Soktas converteu pela primeira vez um hectare de terra para agricultura regenerativa — utilizando métodos baseados na natureza para restaurar a terra e melhorar a sua capacidade de armazenamento de carbono. Agora, o solo absorve mais de 18 toneladas de carbono por hectare em cada ano.

Isto é equivalente às emissões anuais de gases com efeito de estufa de cerca de 15 automóveis a gasolina, de acordo com uma calculadora da Agência de Protecção Ambiental dos EUA. “Todos os anos, vemos os resultados a melhorar”, diz Erdem à Fundação Thomson Reuters durante uma visita aos campos da empresa.

Quem apresentou a agricultura regenerativa à Soktas, em 2018, foi a marca britânica Stella McCartney, uma das clientes da empresa. Agora, 90 hectares da produção já são terras de agricultura regenerativa.

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Campo de algodão LOUIZA VRADI/Reuters

Manchada pela reputação da utilização intensa de recursos naturais e pela elevada produção de resíduos, a indústria da moda intensificou os esforços nos últimos anos para reduzir o impacte ambiental e a pegada de carbono, com a Carta da Indústria da Moda para a Acção Climática das Nações Unidas a estabelecer um objectivo de descarbonização de toda a indústria até 2050.

Embora os esforços se tenham centrado sobretudo na redução dos resíduos, as marcas e os designers estão a apoiar cada vez mais projectos de agricultura regenerativa para ajudar a reduzir as emissões produzidas no fabrico de têxteis clássicos, como o algodão e a lã.

Um projecto-piloto de algodão regenerativo na Turquia, criado pela Textile Exchange — uma organização sem fins lucrativos que trabalha com a indústria têxtil para ajudar a reduzir o impacto ambiental dos materiais —, apurou que o carbono armazenado no solo era até 15 vezes superior ao sequestro de carbono em geral.

“O solo torna-se mais esponjoso e vivo”, descreve Gokce Okulu, gestor de algodão da Textile Exchange, acrescentando que a matéria orgânica que absorve carbono é eliminada na agricultura convencional, através da lavoura excessiva da terra.

A agricultura regenerativa utiliza pouca ou nenhuma lavra do solo para ajudar a manter a sua composição biológica, para além de cultivar plantas de cobertura para proteger o solo, explica Okulu.

Graças à cultura de cobertura de trigo, feijão e beterraba nos campos da Soktas, o teor de matéria orgânica do solo duplicou em quatro anos e, a cada ano que passa, o algodão necessita de menos fertilizantes e água, congratula-se Basak Erdem.

Economia circular

De acordo com a Confederação da Indústria Britânica, a procura de algodão produzido através deste tipo de agricultura, que representou quase 20% do fornecimento global em 2020, está a aumentar.

As maiores iniciativas de algodão sustentável são a Better Cotton, a Fairtrade e a Organic, mas Jules Lennon, dirigente da Fundação Ellen MacArthur, sublinha que o interesse pelo algodão regenerativo está a crescer, com os principais produtores de gangas, Bossa e DNM, entre as marcas que iniciam parcerias. “Assistimos a algo que nunca tínhamos visto antes.”

“Mas, primeiro, precisamos realmente de dar prioridade à utilização de produtos existentes”, afirmou Lennon, explicando que, para fazer a transição para uma economia circular, a indústria precisa de reduzir a necessidade de materiais virgens, dando prioridade à reciclagem e à reutilização. Enquanto assim for, é melhor que venham de fontes regenerativas.

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Daniel Rocha

A Comissão Europeia quer que todos os regulamentos que exigem que as empresas de moda produzam roupas de uma forma mais sustentável estejam em vigor até 2028. Actualmente, estão em preparação 16 actos legislativos, que poderão estabelecer normas mínimas de durabilidade e reciclabilidade para qualquer produto que entre na UE e exigir que as empresas de moda recolham os resíduos têxteis.

“Dada a importância da UE como mercado, isto pode significar um grande impulso para mudar as práticas gerais da cadeia de produção”, reconhece Anita Chester, directora de materiais da Fundação Laudes, uma organização filantrópica que ajuda a financiar a cobertura da Fundação Thomson Reuters no que toca à sustentabilidade.

Poucas medidas foram tomadas para legislar sobre a agricultura regenerativa, uma vez que esta ainda se encontra na fase inicial, mas algumas políticas existentes, como a proposta de Lei de Saúde do Solo da UE, ajudariam a apoiar a transição, acrescenta a especialista.

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Transição justa

Estão a surgir normas e certificações, como as da Regenerative Organic Alliance ou da Regenagri, mas as marcas e os designers têm de investir nos agricultores para os ajudar na transição para a agricultura regenerativa, insiste Anita Chester. “Nada pode ser regenerativo, se não for justo. É preciso construir a resiliência da comunidade, recompensando os agricultores pela sua gestão da natureza e pelos serviços que prestam para nos ajudar a combater as alterações climáticas.”

Zeynep Kayhan, membro da direcção da Soktas, lamenta que seja difícil convencer algumas marcas a mudar para o algodão regenerativo, porque é mais caro. Para além dos custos adicionais dos testes de solo, da certificação e do investimento em maquinaria de plantio directo, as explorações regenerativas perdem inicialmente lucro com rendimentos mais baixos — antes de o solo ter melhorado — e com a troca de uma cultura secundária cultivável no Inverno por uma cultura de cobertura que não é colhida.

“É mais dispendioso fazer a transição, mas com o tempo, porque são necessários menos factores de produção, chega-se a um ponto em que a situação se estabiliza”, assevera Kayhan.

Melhorar a saúde do solo também ajuda a evitar os impactos das alterações climáticas que estão a atingir o sector do algodão. Um estudo realizado pelas seguradoras WTW mostra que metade das regiões de cultivo de algodão estarão mais ameaçadas pelos riscos climáticos, como o stress hídrico e as condições meteorológicas extremas, até 2040.

“A retenção de água torna-se ainda mais importante no futuro, porque precisamos de menos água, se soubermos que o solo pode manter a água e os nutrientes”, lembra Zeynep Kayhan.

Na Primavera, as fortes chuvas danificaram as sementes de algodão da Soktas, mas o solo mais saudável das parcelas regenerativas ajudou os agricultores a replantar as sementes rapidamente. “Se todos os agricultores fizessem agricultura regenerativa, o clima poderia mudar”, observa Basak Erdem.


Jornalista: Beatrice Tridimas
Tradução: Inês Duarte de Freitas