Britney Spears chegou a pensar que os pais a queriam matar

Cantora norte-americana, que viveu sob uma rígida tutela, comandada pelo pai, conta a sua história que começa no Sul profundo, em A Mulher que Há em Mim, lançado nesta terça-feira.

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Nas suas memórias, Britney Spears revela uma adolescência marcada pela rápida ascensão ao estrelato Reuters/MARIO ANZUONI
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Britney Spears habituou-se a ter a sua história contada por terceiros. Primeiro, através dos tablóides que, no início do milénio a perseguiam com os paparazzi no seu encalço; depois, mais recentemente, em documentários que, como chegou a confessar, a deixaram em lágrimas, mas que serviram para chamar a atenção para a situação em que vivia, presa a uma tutela que um tribunal viria a pôr um ponto final, em Novembro de 2021.

Agora, e depois de ter voltado a ser dona do seu nariz (e do seu dinheiro), Britney abre a gaveta das memórias, revelando uma infância no Sul profundo norte-americano, com um pai alcoólico (a declaração surge logo à quinta linha do prólogo), uma adolescência marcada pela rápida ascensão ao estrelato, os altos e baixos da fama e, por fim, os quase 14 anos de uma tutela que lhe roubou o direito à autodeterminação e que a pôs no papel de uma espécie de marioneta, manipulada pelo marionetista que era o seu pai, levando-a até a desistir de recuperar a sua vida.

É isso que a cantora conta agora, em A Mulher que Há em Mim (ed. Arena), assumindo que se sentiu vencida pelo cansaço e pelo medo de o acesso aos seus dois filhos lhe ser vedado. “A minha liberdade em troca de sestas com os meus filhos — era uma transacção que eu estava disposta a fazer”, escreve, avaliando que “depois de ter sido amarrada a uma maca, sabia que eles podiam restringir-me, fisicamente, sempre que quisessem.” Pior: “‘Podiam até tentar matar-me’, pensei. Comecei mesmo a ponderar se não quereriam matar-me.”

O episódio a que Britney se refere remonta ao início de 2008, quando a polícia foi chamada à residência da cantora pelo facto de esta se recusar a entregar as crianças ao pai. Não por estar numa crise psicótica provocada por álcool e drogas, como chegou a ser escrito, mas por, afirma, estar numa depressão pós-parto e a sentir-se cercada por todos os lados (Kevin Federline, o pai das crianças exigia a custódia total e já lhe tinha vedado o acesso aos dois bebés durante meses; a sua família mostrava-se cada vez mais disposta a provar que ela não conseguia gerir a sua vida e, acusa, pôr a mão no seu dinheiro).

A artista foi, então, levada de ambulância para o Cedars-Sinai Medical Center e as autoridades consideraram que ela estaria sob a influência de uma qualquer substância ilícita. No dia seguinte, os direitos de visita da cantora aos filhos foram suspensos numa audiência de emergência e a custódia física e legal dos menores foi concedida ao pai, Kevin Federline.

Antes de cumpridas as 72 horas, o hospital deu-lhe alta, mas o facto foi, publicamente, condenado pelos pais da cantora. “Como pais de uma criança adulta em plena crise de saúde mental, ficámos extremamente desapontados esta manhã ao saber que, por recomendação do psiquiatra assistente, a nossa filha Britney teve alta do hospital.”

Até que, no fim desse mês, a mãe de Britney chama-a a sua casa. E, de repente, havia helicópteros a sobrevoar a casa. Numa aparatosa operação que envolveu mais de uma dúzia de operacionais, a cantora voltou a ser internada. E um tribunal deliberou que não estava capaz de tomar conta de si. No dia seguinte, o pai de Britney, James ‘Jamie’ Spears, foi nomeado tutor e curador provisório da filha, enquanto os bens da artista passaram a ser geridos em conjunto pelo progenitor e pelo advogado Andrew Wallet. Poucos meses depois, a decisão foi tornada permanente, tendo-se mantido inalterada até 2019, altura em que Wallet se demitiu e Jamie Spears se tornou o único curador de um património avaliado, na época, em 60 milhões de dólares.

Para a artista, os motivos são claros. O pai tinha uma dívida de 40 mil dólares, que ficou subitamente resolvida. E tornou-se milionário à sua custa, partilhando os lucros com Louise Taylor, proprietária de uma agência de talentos que ficou com o seu nome cativo. Já as razões da mãe parecem menos claras. Mas, diz Britney, a progenitora estava satisfeita por finalmente ver o (outra vez) marido com um emprego estável.

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Os dois primeiros álbuns da cantora foram "Baby One More Time", em 1999, e "Oops!... I Did It Again", em 2000 Reuters

Certo é que, para eles, a filha estava “demasiado doente” para escolher um namorado ou até para conduzir, mas “suficientemente saudável para aparecer em sitcoms e programas matinais, e para actuar para milhares de pessoas numa parte diferente do mundo todas as semanas”.

Indústria de homens

Britney Spears e Justin Timberlake conheceram-se em crianças, quando ambos integravam o Clube do Rato Mickey, com outras estrelas em ascensão: Christina Aguilera, Nikki DeLoach, Keri Russel, Ryan Gosling, Tony Lucca. Era por este último que Britney tinha uma paixão, mas foi Justin que acabou por beijá-la durante um jogo de Verdade ou Consequência.

Começaram por ser amigos, inseparáveis, conta, mas acabaram apaixonados. “Estava tão apaixonada pelo Justin, mesmo caidinha por ele.” E era correspondida. Até que engravidou, e Justin não estava disposto a ser pai. Abortou sem ir ao hospital, uma decisão de que se arrepende pelos riscos que correu. “Foi uma das coisas mais dolorosas por que passei na minha vida.”

Mas, havia de descobrir, o cantor aproveitava sempre que Britney estava ausente para ter casos. A dada altura, confessa, retribuiu-lhe a traição. Mas quando a relação chegou ao fim, através de um SMS enviado por Justin, foi ela que ficou com o rótulo de traidora, sendo vaiada em diferentes situações.

O tema Cry me a river, lançado por Timberlake pouco depois, sugeria que Britney o tinha traído e, ao mesmo tempo que a carreira de Justin disparava, a cantora era arrasada na imprensa e perseguida constantemente pelos paparazzi. “Hollywood sempre se mostrou mais tolerante com os homens do que com as mulheres. E deu para ver como os homens eram encorajados a dizer as piores coisas das mulheres para se tornarem famosos e poderosos.”

Britney Spears acabaria por ver o mesmo filme com o marido e pai dos seus dois filhos, Kevin Federline. “O Kevin estava completamente extasiado com a fama e com o poder”, escreve sobre a época em que o rapper lançava a sua carreira. E quando o marido quis o divórcio, a cantora foi convencida que devia ser ela a dar entrada com o processo. O que não percebeu na altura era que, ao fazê-lo, seria ela a responsável por desfazer a família. “Em retrospectiva, penso que tanto o Justin como o Kevin foram muito espertos. (...) E eu caí que nem uma patinha.”

Movimento #FreeBritney

Houve uma época que Britney desapareceu dos olhares do mundo, tendo sido enviada para um centro de reabilitação, perto do fim de 2018. “O meu pai disse que, se eu não fosse, teria de ir a tribunal e ficaria envergonhada.”

Passou meses a cumprir um rígido horário e sem qualquer privacidade — “Não podia tomar um banho em privado. Não podia fechar a porta do meu quarto.” —, tendo sido medicada com lítio.

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Os manifestantes do movimento #FreeBritney, à porta do tribunal, em Novembro de 2021, apoiando a cantora Reuters

Mas foi nessa instituição que sentiu que havia esperança, quando uma enfermeira lhe mostrou como o movimento viral #FreeBritney, que questionava a necessidade da tutela da cantora, ganhava força nas redes sociais. “Foi a coisa mais incrível que já vi na minha vida”, escreve Spears.

Foi por essa altura que sentiu que podia ganhar num processo contra o pai. E assim foi. O pai foi afastado do cargo de tutor e curador. “O homem que me tinha assustado em criança e que me dominava em adulta, que tinha feito mais do que ninguém para minar a minha autoconfiança, já não controlava a minha vida.”

E, por fim, em Novembro de 2021, chegou a notícia que mais aguardava: o seu novo advogado, Mathew S. Rosengart, ligou-lhe a dizer que a tutela tinha oficialmente terminado.

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