A guerra eterna e a criação do Estado da Palestina

Ao longo dos últimos 75 anos, os palestinianos têm sido expulsos e desapossados das suas terras e dos seus bens, dos seus empregos, dos seus recursos, condenados à pobreza, à prisão e à morte.

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Se Israel quisesse verdadeiramente acabar com o conflito israelo-palestiniano, já teria permitido há muito tempo a criação do Estado da Palestina. Se não o fez em 75 anos, é de duvidar que o venha a permitir no futuro, a menos que seja obrigado. E esta é a razão maior que explica o conflito sangrento e a insegurança em que uns e outros vivem. Como escrevia há uns anos o jornal britânico Independent, “enquanto o fantasma de 1948 continuar a vaguear, não haverá esperança de paz no Médio Oriente”.

As coisas começaram mal nas Nações Unidas com o Plano de Partilha proposto para a criação dos dois Estados, porque entregou desproporcionalmente a Israel 56 por cento do território, onde viviam meio milhão de judeus e 440 mil palestinianos, enquanto os Palestinianos ficaram com 42 por cento da terra, onde estavam 820 mil palestinianos e cerca de 10 mil judeus. Perante este desequilíbrio, não é de admirar a recusa dos termos do Plano de Partilha e toda a tragédia que se seguiu, indissociavelmente ligada à degradação das suas condições de vida e à perda de território por parte dos palestinianos, que apenas têm hoje uma parte ínfima daquilo que as Nações Unidas lhes destinaram em 1947.

O tempo, o alheamento e a condescendência da comunidade internacional têm sido os grandes aliados de Israel. Os acordos de paz de Oslo, em 1993, trouxeram a esperança na criação dos dois Estados. Mas logo a seguir se percebeu que os tempos não estavam para a paz nem para os moderados, quando o primeiro-ministro Yitzhak Rabin foi assassinado por um ultranacionalista em 1995. Talvez tenha sido aí também que os acordos de Oslo morreram. Tudo tem acontecido para que a solução de dois Estados a viver em paz e segurança lado a lado fique cada vez mais longe e inviável, com custos humanos imensos e as relações internacionais completamente envenenadas, perante a infinita tolerância de todos.

É então que o Hamas surpreende tudo e todos em 7 de outubro com um monstruoso e impensável ataque terrorista contra civis indefesos, matando indiscriminadamente mais de um milhar de israelitas, a grande maioria civis, muitos jovens e também crianças. O ataque é indesculpável e só prejudica as esperanças de paz, com o risco acrescido de envolver outros países na guerra.

A legítima resposta de Israel não se fez esperar, mas, como sempre, mais uma vez desproporcionada e desumana, para decapitar definitivamente o Hamas. Só que, ao mesmo tempo, está a arrasar tudo com bombardeamentos incessantes, matando também milhares de civis, entre eles muitas centenas de crianças, usando bombas de fósforo proibidas pelas convenções internacionais e provocando um novo êxodo em direção ao Egipto, a fazer lembrar uma segunda Nakba, (catástrofe) gravada na memória dos palestinianos logo a seguir à criação do Estado de Israel, com a deslocação em massa provocada por ataques de milícias israelitas a aldeias palestinianas.

Ao longo dos últimos 75 anos, os palestinianos têm sido expulsos e desapossados das suas terras e dos seus bens, dos seus empregos, dos seus recursos, condenados à pobreza, à prisão e à morte. Tudo está nas mãos de Israel, que define quem pode sair e entrar dos territórios, a quantidade e qualidade da energia e água que consomem, as terras que trabalham. Hoje, tanto a Faixa de Gaza como a Cisjordânia são duas prisões a céu aberto, espaços hipersecurizados numa humilhação permanente e em flagrante violação dos direitos humanos, com territórios impunemente ocupados por 700 mil de colonos, contra todas as Resoluções das Nações Unidas, que condenam em vão a contínua construção de colonatos.

Não há como não estar condoído com a dor de Israel depois da carnificina do Hamas. Mas a evolução pode ser de tal modo catastrófica, que foi o próprio presidente Biden a advertir que seria uma má ideia Israel ocupar a parte norte da Faixa de Gaza e a dizer que não se pode perder de vista a criação do Estado da Palestina.

Portanto, a tão almejada paz e segurança que israelitas e palestinianos mereciam, tem sido preterida por outros objetivos, quiçá até à expulsão total dos palestinianos daquela que também é a sua terra. A crescente regressão democrática e o aumento da radicalização ultranacionalista dos sucessivos governos dos últimos anos só tem piorado as coisas. A verdade é que o Estado da Palestina continua por criar e, provavelmente, nunca será criado e o mundo nunca terá paz por causa disso.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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