Rafah, uma tragédia em curso
A tragédia aumenta a cada dia que passa de um e do outro lado de Rafah, a fronteira entre a Faixa de Gaza e o Egipto que representa uma réstia de vida para dois milhões de palestinianos.
Por ali, por Rafah, poderiam entrar os camiões de ajuda humanitária, carregados com comida, medicamentos, combustível, muitos com o símbolo da ONU ou do Crescente Vermelho, que se acumulam há mais de dez dias, aguardando a abertura da fronteira e a garantia de cessar-fogo de Israel naquele ponto.
Por ali poderiam passar as jovens famílias de palestinianos que, no fundo, apenas querem que os filhos sobrevivam a uma tragédia anunciada, após sucessivos avisos e contagens decrescentes de Israel.
O regime de Abdel al-Sisi, porém, está disposto apenas a deixar passar os palestinianos com dupla cidadania, na esperança de que essas pessoas não queiram ficar no Egipto, mas que voem rapidamente do Cairo para a sua segunda pátria.
No fundo, o Egipto tem medo de importar, daquela fronteira, comandos do Hamas, quando na verdade muitos já actuam há anos fora da Faixa de Gaza. Tem medo do despertar em força da Irmandade Muçulmana, uma organização radical islâmica fundada naquele país em 1928 e que alimenta vários grupos terroristas, nomeadamente na península do Sinai, e de que o Hamas é apenas um herdeiro. Por isso manteve sempre fechada a fronteira em anteriores conflitos entre Gaza e Israel, em 2008 ou em 2014.
As fronteiras com Israel a norte, Erez, e a sul, Kerem Shalom, essas, permanecem fechadas e sob o controlo das forças militares israelitas.
Emad Gad, porta-voz da coligação Free Current e um dos opositores de Sisi, defendia esta quarta-feira em entrevista à CBS que a única solução possível é a “abertura temporária da fronteira”, mesmo que isso signifique novos acampamentos de refugiados palestinianos.
Neste momento, o Egipto tem um papel fundamental na ajuda humanitária e não pode funcionar como tampão, atitude que tantas vezes condenamos na Europa perante a pressão migratória e, por exemplo, nas políticas do Reino Unido ou a resistência da Turquia. Perante a tragédia que se avoluma a cada dia que passa, não seria exigível ao mundo árabe outro tipo de solidariedade?
Esta quarta-feira, o Presidente norte-americano esteve cinco horas em Israel e, para além de reiterar a defesa da existência de dois Estados, advogou a necessidade premente de se abrir um corredor humanitário. Horas depois, fonte oficial do gabinete de Benjamin Netanyahu, citado pelo FT, anunciava que, “em linha com o pedido do Presidente Biden, Israel não irá impedir assistência humanitária a partir do Egipto, desde que seja apenas para comida, água e medicamentos para a população civil localizada no Sul da Faixa de Gaza e desde que esses bens não cheguem ao Hamas”.
O apoio humanitário aos que querem permanecer em Gaza é urgente e, em alguns casos, pode já ser tardio. O apoio a quem queira sair é imperioso.