Mais uma machadada nas habilitações para a docência
Não me parece razoável que baste apenas um ano ou ano e meio de frequência de uma licenciatura pós-Bolonha para se possuir habilitação própria para a docência ou para frequentar um mestrado em ensino.
Na sequência de um projeto de decreto-lei, apresentado recentemente pelo Governo da República, encontra-se atualmente em discussão pública um novo regime jurídico de habilitação profissional para a docência na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário, o qual, pelas implicações que irá ter na preparação das atuais e futuras gerações de crianças e jovens, é de modo a reclamar a atenção de todos quantos se preocupam com a qualidade de ensino da escola portuguesa.
Como se já não bastasse o facto de, ainda muito recentemente, o Ministério da Educação ter baixado significativamente o nível de exigência das habilitações próprias para a docência para contratação pelas escolas (Decreto-Lei n.º 80-A/2023, de 6 de Setembro), surge agora este novo projeto que baixa os pré-requisitos académicos também para o ingresso nos mestrados em ensino, i. é, aqueles que dão acesso direto à carreira docente, pois não existe qualquer prova de ingresso.
De modo a aplacar a grande falta de professores que já se faz sentir, é positivo o facto de voltarmos a ter verdadeiramente professores-estagiários nas escolas (e não apenas algumas atividades pontuais de práticas pedagógicas), pois os estágios para a docência voltarão a ser remunerados e até contarão como tempo de serviço para efeitos de concurso.
Ao contrário de algumas alegações que têm vindo a público, não tenho nada contra o facto de o projeto sub judice optar por manter a estrutura bietápica (licenciatura mais mestrado) no caso dos mestrados em Educação Pré-Escolar e 1.º Ciclo do Ensino Básico, pois a alternativa do mestrado integrado, além de afastar a priori muitos jovens, em virtude da rigidez desse modelo académico, ora em crise, seria excludente de candidatos titulares de licenciaturas que possam ser equiparáveis à licenciatura em Educação Básica, a única atualmente aceite.
Mas já se lamenta que não se aproveite esta oportunidade para se reformar plenamente a formação inicial de professores, como seria o caso de se proceder ao desdobramento de grupos bidisciplinares, como são o caso do Grupo 510 (Físico-Química) e Grupo 520 (Biologia e Geologia). Até porque é precisamente no 3.º Ciclo e no Ensino Secundário que se fazem sentir as maiores carências de professores e não na Educação Pré-Escolar ou 1.º Ciclo, nos quais neste momento ainda existem cerca de 6500 candidatos por colocar.
Não nos parece correto que quem tenha apenas quatro anos de serviço como contratado seja dispensado da frequência da unidade curricular de prática pedagógica supervisionada, pelo estabelecimento de ensino superior conferente do grau de mestre, na medida em que alguém a quem é conferida a habilitação profissional para ser professor, além de dominar as respetivas didáticas, deve também saber aplicar técnicas e estratégias específicas para cada turma e para cada aluno.
Pela mesma ordem de razões, aceita-se que os candidatos titulares do grau de mestre ou doutoramento sejam dispensados da frequência da área científica respetiva, mas sugere-se que realizem um ano de prática letiva supervisionada.
Discordo na generalidade dos requisitos mínimos que o ministério está a propor para estes mestrados, pois não me parece que seja razoável aceitar que baste apenas um ano ou um ano e meio de frequência de uma licenciatura pós-Bolonha para se possuir habilitação própria para a docência ou para frequentar um mestrado em ensino. Isto porque numa série de especialidades onde até aqui se exigia o mínimo de 120 créditos (ECTS) para ingresso agora se exige apenas 90 créditos, o que configura uma redução de 25%.
Em suma, numa sociedade que cada vez exige uma melhor preparação dos seus professores/pedagogos não faz sentido o “facilitismo” e a diminuição das exigências académicas e profissionais.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico