Pais, que utilização fazem das novas tecnologias?

Para estarmos tanto tempo interligados, será que em algum momento nos distraímos dos nossos filhos?

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"As tecnologias transforma-se num foco de conflito nas famílias" Kampus Production/Pexels
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Fala-se muito no fascínio que as novas tecnologias exercem sobre os mais novos, que facilmente se deixam encantar por smartphones, jogos de computador, séries e redes sociais. Esse poder de atração é de tal forma intenso que põe à prova o exercício da autoridade parental, dificultando a delimitação de regras de utilização das tecnologias e a introdução de limites do tempo destinado aos ecrãs.

Não raras vezes, a utilização das tecnologias transforma-se num foco de conflito nas famílias, com os pais a tentarem impor regras, e os filhos a fazerem por ultrapassar os limites definidos, recorrendo a manobras diversas, eventualmente de qualidade duvidosa. De forma direta, as crianças procuram obter aquilo que desejam com pedidos insistentes e, se necessário, com birras ruidosas; já de forma indireta, os jovens fazem por contornar o controlo parental, recorrendo, se necessário, à dissimulação e à astúcia.

Muita tinta já correu sobre esta temática, sem que pareça haver solução à vista ou, pelo menos, um consenso que permita sanar as desavenças familiares. No entanto, desta vez não pretendo juntar mais tinta àquela que já correu. Pelo contrário, opto por outro ponto de vista para esta questão tão atual, deslocando a tónica do lado dos filhos para a colocar do lado dos pais.

Nesta perspetiva, o foco incide na utilização que os pais fazem das tecnologias, nomeadamente na presença dos seus filhos. Sabendo que os pais educam sobretudo através do exemplo — ainda mais do que da palavra —, importa refletir no tipo de modelo que representam para as novas gerações. E, se colocarmos a mão na consciência, talvez muitos adultos não fiquem assim tão bem na fotografia.

Num local de férias, todos os dias observava a mesma cena à hora do pequeno-almoço, na mesa ao lado, ocupada por um jovem casal com o seu filho de dois anos. Sentados frente a frente, pai e mãe passavam o tempo concentrados no ecrã dos respetivos telemóveis, enquanto a criança, ao lado da mãe, permanecia em silêncio ou, em alternativa, tentava chamar a atenção dos pais insistentemente. Era como se aqueles três seres, juntos numa mesa, parecessem isolados, não estabelecendo uma autêntica interação familiar.

Também se tornaram frequentes situações em que os pais, com filhos pequenos ao colo, ocupam uma das mãos teclando no telemóvel, conectados em grupos do WhatsApp, despachando e-mails ou acedendo a redes sociais. Os pais estão com os filhos, é verdade, mas, ao mesmo tempo, também estão ausentes. É como se houvesse uma presença ausente, na qual a criança nunca parece ser a verdadeira prioridade dos seus pais, nem tão-pouco beneficiar da sua atenção exclusiva. Se esta forma de estar for a habitual — apesar de poder estar satisfeito o requisito da quantidade de tempo na relação parental — o modelo não alimenta uma interação de qualidade.

O problema é que situações como a acima descrita estão longe de ser atos isolados e nem sempre correspondem à vontade dos intervenientes. Contam-se entre estes os momentos em que a atividade profissional entra pela vida das famílias, através dos telemóveis ou do e-mail, com tarefas sempre prementes e inadiáveis, incompatíveis com as dinâmicas de uma família, que implicam tempo para dar banho às crianças, fazer o jantar e aconchegar-lhes a roupa na cama, enquanto se conta uma história de encantar.

É por todos estes motivos que, antes de se instalarem as dificuldades parentais com a gestão da utilização das novas tecnologias pelos filhos, os pais têm de começar por se questionar sobre a utilização que eles próprios fazem dos ecrãs. Muitas vezes, o resumo semanal de tempo de ecrã é altamente interpelante e devia-nos fazer parar para pensar: será que estamos a atravessar uma “linha vermelha”? Por mais que haja perguntas que nos custam particularmente a formular, há uma questão que se impõe: para estarmos tanto tempo conectados, será que em algum momento nos distraímos dos nossos filhos?

Na obra A Tirania do Divertimento, o professor universitário Oliver Babeau chama a atenção para a diminuição das interações familiares, causada pela hiperconexão dos pais às novas tecnologias. “Constantemente absorvidos pelos seus próprios ecrãs, os pais falam menos com os filhos”, constata, afirmando que, desta forma, não só as crianças encontram um exemplo que se apressam a seguir, mas também se perde grande parte da riqueza que um adulto pode — e deve — transmitir a uma criança. De acordo com a sua visão, quanto mais pequena for uma criança, mais grave se torna essa falta de interação, uma vez que as crianças necessitam de encorajamentos verbais e não-verbais para se desenvolverem. Dá, sem dúvida, que pensar.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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