O bife continua a ser o prato mais vendido, mas não é por isso que a centenária Cervejaria Trindade, em Lisboa, que reabriu as suas portas, após profundas obras de restauração, há já mais de um ano, não procura inovar. Desta vez, a proposta é uma carta de petiscos, a pensar nos clientes que se ficam pela entrada e pelo balcão onde, muitos, bebem uma cerveja da casa, à pressão, e comem o famoso croquete ou um pastel de bacalhau.
Como inovar sem perder a tradição, de um espaço que assinala 187 anos, foi o desafio colocado ao chef Alexandre Silva, que se senta à mesa com um conjunto de jornalistas, para experimentar os petiscos. “Com o mesmo produto, quis chegar a dois clientes diferentes”, explica. Porque há aqueles que entram, ficam logo ali, na entrada ou na esplanada, querem mais do que o croquete e cobiçam o Bacalhau à Brás ou as Amêijoas à Bulhão Pato que chega à mesa dos que se sentam na sala Maria Keil, a que tem o trabalho da artista exposto.
“Solução: poder sentar no restaurante quem quer comer uma dose de Bulhão Pato e, na petiscaria, comer uma dose mais concentrada”, declara o cozinheiro, dando destaque a um dos pratos que faz parte da nova carta do restaurante: Jaquinzinhos com Arroz de Tomate (16,40€). Alexandre Silva está consciente que este é um prato tipicamente português e que “parece simples” de fazer, mas não é, sobretudo num espaço com mais de 400 lugares sentados. “É um prato difícil de executar. É uma vitória trazer [este prato] para um restaurante com esta dimensão”, sublinha.
E a prova é que quando a travessa com os pequenos carapaus e o tacho do arroz chega à mesa, o chef pede para que seja servido com rapidez, de maneira a que o arroz chegue ao prato ainda com molho e não empapado. Já os jaquinzinhos, que estão secos e nada gorduroso, comem-se à mão, sem formalidades. “Gostava que fosse um prato que estivesse sempre no menu. É um prato emocional porque fui criado assim, a minha família é ribatejana e da Estremadura. Fui criado com arroz de tomate, açordas, escabeches... É dar a oportunidade aos clientes de experimentarem isso, de comerem pratos que não são comerciais, que fazem parte de nós. É importante passar a mensagem de quem somos”, diz.
Mas há outras histórias para contar, de “outros povos que, antes de nós, passaram por Lisboa”, continua, dando como exemplo o Caril de legumes (17,90€) e a Beringela com especiarias (6,50€), dois pratos vegetarianos. O primeiro faz parte da carta do restaurante, o segundo pode ser comido em ambos os espaços, ou seja, no restaurante e na petiscaria.
Entretanto, chega à mesa a Paleta de borrego assada, com batatas e legumes, para duas pessoas (59€). Brigite Martins, directora de marketing e operações do grupo Portugália, lembra que o borrego estava para sair do menu porque tinha as piores vendas — “dois em cem”, calcula —, mas o que se foi verificando é que a sua venda foi aumentando à medida que os empregados de mesa começaram a provar, a gostar e a recomendar aos clientes. "Dispararam as vendas", informa.
O Bife à Trindade, seja de vazia (17,90€) ou de lombo (25,40€), é o prato icónico da cervejaria, o “mais vendido” e “foi uma vitória trabalhar o molho do bife sem ferir os antigos clientes”, diz Alexandre Silva, referindo que se tratou da única mudança, feita de maneira subtil. O da vazia pode ser pedido na petiscaria e a guarnição é à escolha, das batatas fritas aos palitos (3,90€) ao arroz branco (3€), passando pelos legumes salteados (4,10€).
“Os petiscos são adaptações do que já havia no restaurante. O produto e a execução é a mesma”, garante Alexandre Silva, que vai dizendo o nome de cada um deles, à medida que são depositados no centro da mesa, descrevendo algumas das suas características. Por exemplo, as Gambas salteadas, em vez de alho, levam gengibre e malagueta (9,50€); o Polvo assado com gaspacho de amêndoa e um crocante de trigo sarraceno (11,50€); o Bacalhau lascado na tiborna que o leva à sua infância (11,50€); ou o Mexilhão à Trindade (7,50€) que é aberto com espumante. Há ainda o Brás de Bacalhau (9€) e, do lado das carnes, o Pica Pau com pickles caseiros (12,70€). “É tudo feito cá", diz o chef, fazendo questão de sublinhar que estes pickles são mesmo "caseiros".
Por fim, chegam as sobremesas, sendo que muitas já estavam na carta, como o Pudim de cerveja (6,80€) ou os Frutos do bosque macerados em Vinho do Porto (6,80€), mas Alexandre Silva destaca o Natas do céu (5,80€), que é uma espécie de “doce da casa”, só que em vez de bolacha e chantilly, leva biscoito moído, doce de ovos e amêndoa. A Mousse de chocolate 70% (5,80€) é “espessa”, reforça o chef; e o Creme brûlée é aromatizado com rosmaninho (5,90€).
O almoço chega ao fim. Brigite Martins faz um balanço positivo do último ano, afirmando que “há momentos gratificantes, como ver a fila de clientes e não conseguir responder a todos” e informa que os preços são os mesmos, não houve aumentos. Uma última novidade é o prato infantil, no restaurante: Bife ou croquetes da casa com duas guarnições à escolha da criança (10,80€). A directora lembra as gerações de famílias que se sentam à mesa daquele que foi um antigo convento. Quanto aos petiscos, podem ser comidos no átrio, ao balcão e na esplanada.
A Fugas almoçou a convite da Cervejaria Trindade