África, Moçambique, Maputo

Quis escrever de dentro um texto sobre Maputo e ainda não consigo. Os olhos esbarram num mundo novo como um muro, deixando-me apenas à superfície.

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Megafone P3: África, Moçambique, Maputo Reuters/Grant Neuenburg
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Guardar dentro o que os olhos querem escrever, mas que apenas outros sentidos podem registar. A evidência do inefável. Uma nova paisagem, à procura de outras escritas.

Com a delicadeza de não pressionar, sob o risco de se partir uma fantasia. Estou aqui. África, Moçambique, Maputo. Deixar os cheiros e os sons desenhar uma natureza inédita no meu corpo e cabeça. Vai demorar. Demora sempre.

No jardim da cidade, Tunduru, centenas, talvez milhares de morcegos enormes pendurados nos ramos das árvores cujo verde frondoso hipnotiza de alegria. Sentimentos contraditórios. O santuário dos morcegos.

Vejo-os agrupados em gangues de cabeça invertida. Cheira mal. Um cheiro mau, intenso, que desconheço. Enterro o chapéu de palha na cabeça e apresso-me, recordando um filme em que uma mulher é atacada por um morcego na nuca. O calor húmido faz-me suar do pescoço.

Um homem negro aproxima-se para vender pinturas que traz enroladas debaixo do braço. Outros vendedores exibem pelas ruas cabides, roupas, esfregonas, uma parafernália de objectos. No comércio da rua vale tudo.

A fruta, meu Deus, peças com cores berrantes explodem amontoadas em carrinhos: abacates, mangas, abacaxis, papaias, bananas. Cheiros misturados com o fumo do tubo de escape adocicado dos carros, mais o cheiro no qual me barro diariamente: repelente de mosquitos.

O Matteo apresenta-me o Mia Couto, no Centro Camões. Sobre o Matteo escreverei noutro dia, mais tarde. Fico encantada com os olhos azuis do Mia e com as suas palavras simples. Em vinte minutos aprendo coisas com ele. Não registo aqui. Fica também para depois.

Noutro suporte, exige outra profundidade. Quis escrever de dentro um texto sobre Maputo e ainda não consigo. Os olhos esbarram num mundo novo como um muro, deixando-me apenas à superfície. É a minha primeira vez em África, sinto-me uma criança a quem deram um presente inimaginável. Nem nas minhas ficções poderia ter desenhado com este traço África, Moçambique, Maputo.

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