Suspeito do assassínio de Tupac Shakur acusado de homicídio, 27 anos depois

A acusação foi formalizada durante uma breve audiência, na sexta-feira. Davis, de 60 anos, ficará detido sem direito a caução até se apresentar em tribunal, nesta quarta-feira.

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Imagem captada durante a homenagem a Tupac Shakur quando integrou o Rock & Roll Hall of Fame, em 2017 Reuters/Lucas Jackson/arquivo
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O homicídio de Tupac Shakur, que se tornou um momento decisivo na história do rap, ficou quase três décadas sem explicação. Até que, na última sexta-feira, um antigo chefe de um gangue foi detido e, apurou a Reuters, acusado da morte do artista, crime agravado por ter sido identificado como líder do grupo de homens que atiraram contra Tupac, a 7 de Setembro de 1996, perto da Strip de Las Vegas. O rapper, que sofreu múltiplos ferimentos de balas, viria a morrer seis dias depois, a 13, de hemorragias internas e insuficiência respiratória.

Duane “Keffe D” Davis, que, segundo a polícia, era suspeito há muito tempo e começou a denunciar-se numa série de declarações públicas nos últimos anos, foi detido à porta da sua casa, um dia depois de um grande júri do condado de Clark, no estado do Nevada, ter proferido uma acusação contra ele. Esta foi apresentada durante uma breve audiência na sexta-feira a um juiz que ordenou que Davis, de 60 anos, permanecesse preso sem caução até uma primeira comparência em tribunal marcada para esta quarta-feira.

Davis vai responder por uma acusação de homicídio com arma mortífera e pelo seu alegado papel na liderança do grupo de homens que alvejou Shakur.

As autoridades descreveram Davis como o “mandante” de um plano apressado para vingar o espancamento do seu sobrinho, Orlando Anderson, dentro do MGM Grand Garden Arena por Shakur e membros da sua comitiva, na noite de 7 de Setembro de 1996, pouco antes do tiroteio.

Davis “orquestrou o plano que foi levado a cabo para cometer este crime”, disse o tenente Jason Johansson, do Departamento da Polícia Metropolitana de Las Vegas, numa conferência de imprensa.

A polícia mostrou imagens de segurança do hotel que mostravam vários homens a pontapear e a esmurrar uma pessoa que identificaram como Anderson. Um dos que foram vistos a atacar Anderson foi identificado como Marion “Suge” Knight, co-fundador e então director executivo da Death Row Records, com sede em Los Angeles, que produzia os discos de Shakur. Esse incidente, concluiu Johansson, levou “à morte de Tupac Shakur por retaliação”.

Depois de obter uma arma de um sócio não-identificado, Davis, juntamente com Anderson e dois outros homens, Terrence Brown e Deandre Smith, entraram num Cadillac branco e partiram para localizar o BMW preto onde seguiam Knight, ao volante, e Shakur, como passageiro. Quando o alcançaram, foram disparados tiros do Cadillac contra o lado do passageiro do BMW: Shakur foi atingido quatro vezes.

Knight, que foi atingido de raspão na cabeça, sofreu apenas ferimentos ligeiros, tendo sido enviado para a prisão no mês seguinte por ter violado os termos da sua liberdade condicional ao ter participado no confronto no MGM.

As autoridades não disseram quem tinha efectivamente disparado a arma contra Shakur — mas sabe-se que os três homens que acompanhavam Davis no Cadillac já morreram.

Violência, da música para a vida real

A morte de Tupac terá sido o gatilho para outro crime: o assassinato de Christopher Wallace, também estrela do rap gangsta, mas da editora discográfica rival Bad Boy Entertainment, com sede em Nova Iorque. Wallace foi morto a tiro em Los Angeles, em Março de 1997, num homicídio que continua por resolver. E, diz a indústria da música, esses dois acontecimentos ditavam, em apenas seis meses, a morte do hip-hop.

Wallace, que se apresentava como Notorious BIG ou Biggie, tinha-se envolvido na disputa crescente entre a Costa Leste e a Costa Oeste do rap antes da sua morte, e havia rumores de que o seu homicídio teria sido um possível acto de retaliação pelo assassínio de Shakur meses antes. É que Notorious BIG chegou a integrar a lista de suspeitos — só que sempre negou a sua presença em Las Vegas na noite do assassinato de Tupac e amigos e familiares apresentaram provas de o artista ter estado num estúdio de New Jersey, a mais de 3500 quilómetros, na noite dos acontecimentos.

Houve ainda outra teoria, elaborada pelo realizador Nick Broomfield, autor do documentário Biggie & Tupac: que teria sido o agente de Tupac, Suge Knight, a encomendar o assassinato por dever milhões ao artista que não teria como pagar. De acordo com esta tese, Knight também mandaria matar Notorious BIG, de forma a capitalizar os rendimentos de uma disputa entre os rappers.

Agora, depois de reunidas novas provas, o tenente Jason Johansson explicou, em conferência de imprensa, que a violência no MGM teve origem na animosidade entre dois gangues rivais da zona de Los Angeles: os Crips, que tinham Duane na liderança, e os Mob Piru, com os quais a Death Row Records e Knight estavam intimamente ligados.

Membros de ambos os grupos estavam em Las Vegas na noite do crime para assistir a um combate de boxe entre Mike Tyson e Bruce Seldon, a contar para o título mundial de pesos-pesados.

Johansson afirmou que os detectives tinham reunido a maior parte das provas e das pessoas envolvidas nos acontecimentos que conduziram ao tiroteio nos primeiros meses da sua investigação, mas há muito que não dispunham de provas admissíveis para apresentar queixa.

O caso foi “revigorado” em 2018 pelas “próprias confissões de Davis sobre o seu envolvimento nesta investigação de homicídio, que ele forneceu a vários meios de comunicação social”.

Davis, um autodenominado líder de gangue, admitiu em entrevistas e no seu livro de memórias de 2019, Compton Street Legend, que estava no Cadillac de onde foram disparados tiros contra o veículo de Shakur.

Isso gerou um esforço renovado da polícia para resolver o caso, levando os investigadores a obter um mandado de busca para a casa de Davis em Julho. Provas adicionais aí descobertas abriram o caminho para a acusação, disse Johansson.

Do gangsta rap ao Passeio da Fama

O influente Shakur, amplamente considerado como um dos maiores artistas da música rap, foi também um dos mais bem-sucedidos comercialmente, vendendo mais de 75 milhões de discos em todo o mundo.

Era conhecido pelas suas letras cruas, repletas de violência, sexo e palavras obscenas, que descreviam a vida no gueto. O seu álbum All Eyez on Me, lançado pouco antes da sua morte, celebrava a sua própria imagem de fora-da-lei. Outros êxitos, desde a estreia em 1991, incluíam temas como California love, Changes e I ain’t mad at cha.

Adorado pelos seus fãs e detestado pelos políticos por canções que por vezes celebravam a violência e a misoginia, Shakur não era alheio a problemas, tendo passado grande parte dos últimos dois anos e meio da sua vida dentro e fora dos tribunais, prisões ou hospitais.

Isso não foi impedimento para ser homenageado várias vezes após a sua morte. Em 2005, foi inaugurada uma estátua sua, colocada no Jardim da Paz do Centro para as Artes Tupac Amaru Shakur, uma fundação dirigida pela sua mãe, situada em Stone Mountain, Geórgia. Doze anos depois, foi incluído no Rock and Roll Hall of Fame, por indicação do seu amigo Snoop Dog. “Enquanto muitos se lembram dele agora como uma espécie de super-herói bandido”, observou na altura Snoop, “Tupac era realmente apenas bom e representava através da sua música como ninguém”. Já este ano, o rapper, que morreu com apenas 25 anos, conquistou uma estrela no Passeio da Fama, em Hollywood.

Knight, o seu empresário, declarou-se inocente num tribunal de Los Angeles, em Setembro de 2018, de uma acusação de homicídio involuntário por um atropelamento e fuga em 2015, em Compton, aceitando uma pena de prisão de 28 anos ao abrigo de um acordo com os procuradores, dias antes do início do seu julgamento por homicídio. Poderá ter liberdade condicional em Julho de 2037.