Portugal é o terceiro país europeu que perdeu mais ferrovia: perdemos 460 quilómetros

Estudo da Greenpeace mostra que Portugal investiu mais do triplo na construção de estradas, entre 1995 e 2018, do que na ferrovia. Mais de 100 mil pessoas perderam acesso a comboios.

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Entre 1995 e 2019, Portugal encerrou oito linhas ferroviárias, e uma extensão de 460 km de linha foi desactivada inaquim/GettyImages
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A rede ferroviária portuguesa diminuiu 18% entre 1995 e 2018 – o terceiro maior declínio entre um grupo de países que inclui a União Europeia a 27, o Reino Unido, Noruega e a Suíça, analisados num estudo divulgado nesta terça-feira pela organização ambientalista Greenpeace. No mesmo período, a rede rodoviária em Portugal cresceu 2378 km no mesmo período, ou seja, 346% – estamos também em terceiro lugar, mas entre os países em que o número de estradas mais aumentou.

O investimento cumulativo de Portugal na rodovia, entre 1995 e 2018 (só há dados públicos até 2018 sobre investimento), foi mais que o triplo do dedicado à ferrovia: 23.400 milhões de euros para estradas, 7650 milhões para comboios, diz o relatório, elaborado por duas organizações alemãs, o Instituto Wuppertal para o Clima, Ambiente e Energia, e o Think Tank Transportes T3, com dados colhidos essencialmente em fontes públicas, incluindo o Eurostat e empresas de transporte ferroviário.

Se desde 1995 a rede viária cresceu 346% em Portugal – deixando o país atrás apenas de Espanha e França –, no mesmo período houve uma redução maciça no serviço de transporte de passageiros pela ferrovia em Portugal. Foram encerradas oito linhas, e uma extensão de 460 km de linha foi desactivada, incluindo 101 estações. Cerca de 100 mil pessoas deixaram de ter acesso ao transporte por comboio.

Em 2022, a rede ferroviária total tinha 3622 km em Portugal, mas apenas 70% (2527 km) estão a ser usados. Isso quer dizer que poderiam ser reactivados 1095 km de linhas de comboio, contabiliza a Greenpeace. Seis das oito linhas que foram encerradas poderiam ser reabertas facilmente, frisa a organização ambientalista. Um total de 379 km da rede poderia ser reactivado para transporte de passageiros.

A extensão total da rede ferroviária europeia diminuiu em 6,5% (15.650 km) entre 1995 e 2020. Pelo menos 13.717 km são de linhas regionais de transporte de passageiros, encerradas temporária ou permanentemente. “Mais de metade, ou seja cerca de 7300, poderiam ser reabertas de uma forma relativamente fácil”, sublinha a Greenpeace.

“A Europa tem sistematicamente esvaziado as suas linhas regionais e suburbanas, deixando-as num estado desolado em muitas regiões. Ao mesmo tempo, injecta somas enormes em estradas para carros devoradores de gasolina, que fazem aumentar a crise climática”, comentou Herwig Schuster, porta-voz da Greenpeace para a campanha Mobilidade para Todos, citado no comunicado.

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Os 30 países em análise investiram em média mais 66% na expansão e restauro de estradas do que na rede de comboios durante este período. Por cada quilómetro tirado à rede ferroviária europeia entre 1995 e 2020, foram construídos dois quilómetros de estradas, sublinha a Greenpeace, num comunicado de imprensa.

Mensagens para Portugal

Na análise ao relatório, a Greenpeace dá relevo ao passe ferroviário nacional para os comboios regionais português, no valor de 49 euros, lançado em Agosto. “A Greenpeace espera que seja o início de um renascimento dos comboios em Portugal, e apela ao Governo português para que garanta o financiamento necessário para reabrir linhas ferroviárias, incluindo mais e melhores ligações a Espanha”, diz o comunicado.

Outra mensagem para Portugal tem a ver com o projecto de construção de um novo aeroporto de Lisboa. “Face à crise climática, nenhum país devia estar a fazer planos destes. A Greenpeace pede ao Governo português que cancele este projecto e, em vez disso, invista na reabertura de linhas de comboio nacionais, e introduza serviços internacionais, que possam substituir as deslocações aéreas, pelo menos para Espanha e Sul de França”, pede a organização ambientalista.

“Se a Europa quer ter um futuro sustentável e equitativo, os governos e a UE devem deixar de encerrar linhas e estações regionais, reabrir infra-estruturas ferroviárias que não estão a ser usadas e desviar de forma clara o financiamento da rodoviária e dos aeroportos para os comboios, para garantir uma redução nas emissões de gases com efeito de estufa e o acesso igualitário à mobilidade sustentável”, aconselhou Herwig Schuster.

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Os 30 países em análise investiram em média mais 66% na expansão e restauro de estradas do que na rede de comboios Daniel Rocha

O impulso da alta velocidade

A extensão coberta pelas estradas europeias aumentou em 60% desde 1995, de 51.494 km para 82.493 km, o que representa mais de 30 mil km. A procura pelas infra-estruturas rodoviárias aumentou 29% até 2019 (antes da pandemia de covid), embora a procura pelo transporte ferroviário também tenha aumentado, o que o relatório atribui ao desenvolvimento das redes de alta velocidade.

“Apesar do aumento das preocupações ambientais (…), estes [30] países gastaram 1,5 biliões [milhões de milhões] de euros em infra-estruturas rodoviárias, e apenas 930 mil milhões na ferrovia, incentivando o transporte privado com base no petróleo em vez de transportes públicos sustentáveis”, diz o comunicado da Greenpeace.

Os transportes representam cerca de um terço das emissões da União Europeia e não têm contribuído para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa: na verdade, as emissões relativas aos transportes na UE até aumentaram 15% entre 1995 e 2019, salienta a Greenpeace. A rodovia é responsável por 72% das emissões de gases com efeito de estufa europeias do sector dos transportes, enquanto a ferrovia representa apenas 0,4%.

As emissões de gases geradas pelo transporte rodoviário em Portugal aumentaram 6,2% em relação ao período anterior à pandemia, estima a associação ambientalista Zero, num comunicado divulgado esta segunda-feira. Considerando o período entre Julho de 2022 e Julho de 2023 (inclusive), as emissões totalizaram 18,2 milhões de toneladas de dióxido de carbono, mais 6,2% do que em relação ao período entre Julho de 2018 e Julho de 2019, antes da covid-19.

Correcção às 14h11: em 2022, a rede ferroviária total tinha 3622 km em Portugal, e não em 2002