Protesto pelo clima: “Não temos escolha, estamos a deparar-nos com o abismo”

Activista foi detida durante a manifestação em Oeiras. Protestos arrancarão em força a partir de 13 de Novembro, prometem integrantes da Greve Climática Estudantil.

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Activistas à frente do Ministério Público RODRIGO ANTUNES/Lusa
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Em solidariedade e contra o gás, um grupo de activistas pelo clima do movimento Greve Climática Estudantil esteve na manhã desta sexta-feira à frente do Ministério Público de Oeiras para reivindicar uma mudança contra as alterações climáticas, ao mesmo tempo que oito jovens detidos no dia anterior estavam a ser ouvidos dentro do edifício. A meio do protesto, uma das manifestantes acabou por também ser detida.

“Não temos outra escolha. Somos a geração que já nasceu em crise climática e estamos a deparar-nos com o abismo mesmo à nossa frente”, explica ao PÚBLICO Matilde Ventura, porta-voz desta acção, justificando a razão para estar ali. A activista de 19 anos, estudante de antropologia, foi uma das 16 pessoas detidas nesta quinta-feira devido ao bloqueio das entradas do edifício do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), em Algés, onde estava marcada a reunião do Conselho de Ministros.

“Ficámos nove horas na esquadra”, diz a estudante, queixando-se da forma como foram tratadas, falando de agressividade da polícia, principalmente quando não havia câmaras. “Já fui detida antes, mas nunca tinha visto esta agressividade.” Metade das 16 pessoas detidas foi ouvida no Ministério Público logo de manhã. Matilde Ventura fazia parte do segundo grupo, que tinha a audição marcada para o início de tarde.

A marcha desta sexta-feira tinha sido previamente convocada para a Cidade Universitária, mas depois do que ocorreu na quinta-feira, em Algés, a Frente Climática Estudantil resolveu transferir o protesto para Oeiras.

“Estamos em protesto, mas mais em solidariedade”, explica por sua vez Beatriz Xavier, outra porta-voz da acção. “Não estamos muito chocadas com o que aconteceu. Já desde 2019 que marchamos, faltamos às aulas, fazemos petições, fechamos faculdades e sabemos que as instituições, o Governo, sempre preferiu prender-nos a fazer alguma acção climática”, aponta a estudante de sociologia, de 19 anos, ao PÚBLICO.

As reivindicações das activistas climáticas para a marcha passavam pela transição para electricidade 100% renovável até 2025, acabando com o uso do gás na produção de energia eléctrica, e, até 2030, o fim do uso dos combustíveis fósseis, responsáveis pelo aumento de gases com efeito de estufa na atmosfera e pelas alterações climáticas.

“Temos um prazo muito claro, ditado pela ciência climática, pelo IPCC [Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas] da ONU, que são os 1,5 graus”, recorda Matilde Ventura. “É o limite de temperatura global de aquecimento que nós podemos alcançar, e esse prazo vai ser ultrapassado em 2030 ou depois. Para as pessoas que são menores, 2030 nem sequer é o fim da licenciatura. É muito palpável, é muito físico, é a impossibilidade completa de termos um futuro”, argumenta.

Com gás, não há paz

Antes das 10h da manhã, já se encontravam à frente do Ministério Público os manifestantes, vários agentes da Polícia de Segurança Pública (PSP) e também a comunicação social, os três vértices de um triângulo que iria proporcionar alguns momentos de tensão durante a manhã.

Poucos minutos após as 10h, os primeiros oito activistas entraram para o Ministério Público para a audição prévia, enquanto eram aplaudidos pelos outros manifestantes.

Cerca de duas dezenas de pessoas compunham a manifestação que ia lançando frases de luta como “esquadra, porrada, polícia e julgamento – não assustam mais que dois graus de aquecimento”. Ou, numa nova versão de A Machadinha: “Ai ai ai eles não terão paz, ai ai ai eles não terão paz, até que ponham o fim ao gás”. Um cartaz largo dizia precisamente o mesmo: “Não há paz até o último Inverno de gás”.

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Activistas à frente do Ministério Público em Oeiras Rodrigo Antunes/Lusa

“Isto é uma incongruência total”, diz ao PÚBLICO Danilo Moreira, de 47 anos, enquanto segurava um tubo insuflável de vários metros que dizia “Parar o gás”. “Os governos têm noção das coisas, em relação às alterações climáticas, e fazem políticas contrárias”, acusa Danilo Moreira, que trabalha num call center, dá formação de direitos humanos e veio em solidariedade com os jovens como representante do Sindicato dos Trabalhadores de Call Center. “Ainda no ano passado foi o maior investimento a nível global nos combustíveis fósseis”, acusa. “Acho bastante importante demonstrar solidariedade. Esta não é só uma luta nacional, é global e é necessária a todas.”

Com a ajuda do altifalante, Matilde Ventura dá conta da situação para os restantes manifestantes e quem mais quiser ouvir. “Este Governo está a falhar-nos miseravelmente em ter alguma resposta face a esta crise”, acusa a estudante. “Nos últimos três dias, cheias na Líbia mataram 5000 pessoas e fizeram desaparecer mais de 10.000. O Conselho de Ministros que reuniu ontem [quinta-feira] devia estar em estado de emergência.”

Perante este cenário, as activistas dizem que não vão parar as suas intervenções. “Comprometemo-nos a criar disrupção em todos os processos governamentais até que o nosso Governo se comprometa com 100% de electricidade renovável e que este seja o último Inverno com gás em Portugal”, afirma Matilde Ventura. “Vamos convocar uma onda estudantil de acções pelo fim ao fóssil a começar dia 13 de Novembro.”

Activista algemada

Entretanto, o nível de tensão foi subindo. O espaço apertado entre o Ministério Público e as traseiras da Escola Básica e Secundária Sebastião e Silva, separados pela rua Alexandre Herculano, convidava tanto a comunicação social como as manifestantes a estarem na estrada. Mas a PSP ia pedindo, principalmente às manifestantes, para ficarem no passeio.

Até que houve um momento em que os agentes empurraram com força as manifestantes para o passeio e puseram grades dando uma fronteira física às activistas para se manifestarem. Algumas das activistas queixaram-se que era preciso pedir à PSP para poderem sair do rectângulo da manifestação e falar com a comunicação social.

Num dos momentos de maior tensão, Alice Gato, que pertence à Greve Climática Estudantil e estava no passeio oposto a filmar a manifestação, acabou por ser algemada e detida por um agente da PSP que não estava fardado. Com tantos profissionais da comunicação social ali, o momento terá chegado às televisões de todo o país. A activista foi detida pelo crime de desobediência.

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Agentes da Polícia de Segurança Pública durante a manifestação Rodrigo Antunes/Lusa

O PÚBLICO pediu uma explicação oficial à PSP sobre o que ocorreu e, até ao momento da publicação desta notícia, ainda não obteve resposta. No entanto, um agente disse no local que o passeio fazia parte do perímetro de segurança da manifestação e os manifestantes não podiam estar ali. De qualquer forma, peões continuaram a passar pelo passeio e jornalistas também entrevistaram activistas ali.

Por volta das 11h30, o grupo que estava a ser ouvido no Ministério Público saiu da audição, que foi adiada. “A procuradora ao reparar que tínhamos esta manifestação de solidariedade cá fora, porque não deixamos activistas sozinhas, decidiu adiar o julgamento para que fossemos julgadas uma por uma”, diz ao PÚBLICO Ideal, de 21 anos, depois de sair da audição. O grupo da tarde já não teve que estar na audição, cada activista terá a sua sessão individual também.

“A procuradora disse que não nos ia dar o que nós queríamos. Ia chamar-nos individualmente para que não haja apoio mediático, nem manifestação à porta", conta Matilde Ventura, horas depois, por telefone.

Antes de nos afastarmos do lugar da manifestação, já quando os estudantes se sentavam para fazer uma assembleia sobre as próximas acções, perguntámos a Ideal se todas estas acções, marchas, bloqueios, ocupações, estão a alcançar os objectivos a que o movimento se propõe. “As emissões [de gases com efeito de estufa] ainda não baixaram, elas continuam a aumentar. Nesse aspecto, ainda não alcançámos a vitória”, responde. Mas “podemos dizer que o movimento está a crescer, está mais forte do que nunca e aí sim estamos a fazer aquilo que nos propomos a fazer. Não é por fazermos uma acção e a reivindicação não ser atendida que vamos desistir. Pelo contrário, isso tem de nos dar mais força para continuarmos”, afirma. “Estamos a lutar pela nossa sobrevivência.”