Em apenas uma década, há 50 vezes mais mortes por overdose com fentanil nos Estados Unidos

Consumo deste opióide sintético com outras drogas, como a cocaína, deu origem a uma nova “onda” na crise de opióides nos Estados Unidos, alertam cientistas.

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As campanhas de alerta para o consumo abusivo de fentanil são comuns nos Estados Unidos Miguel Manso
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Há um novo retrato da crise de opióides nos Estados Unidos: entre 2010 e 2021, o número de mortes por overdose devido ao consumo de fentanil com outras drogas estimulantes (como a cocaína ou as metanfetaminas, por exemplo) aumentou mais de 50 vezes. Em concreto, enquanto em 2010 morreram 235 pessoas por este motivo, em 2021 já eram mais de 34 mil mortes por overdose de fentanil com outros estimulantes – representando um terço de todas as overdoses nos Estados Unidos.

A presença de cocaína ou metanfetaminas nas análises às overdoses por fentanil cria agora o que os investigadores apelidam de “quarta onda” da crise de opióides norte-americana. “Estamos a ver agora que o uso de fentanil em conjunto com outros estimulantes se está a tornar rapidamente a força dominante na crise de overdose nos Estados Unidos”, alerta em comunicado Joseph Friedman, investigador na área do consumo de drogas, e autor do estudo publicado na revista Addiction que explorou os consumos associados a overdoses entre 2010 e 2021.

Nos últimos dez anos, o fentanil tornou-se um nome familiar e uma droga mais consumida do que a heroína, por exemplo. A epidemia criada pelo consumo deste opióide sintético poderá matar mais de 1,2 milhões de pessoas até ao final desta década, segundo a estimativa de um estudo publicado em 2022 na revista The Lancet. “O fentanil é um opióide superpotente: é 50 vezes mais forte do que a heroína e 100 vezes mais forte do que a morfina”, explicou a neurocientista Ana João Rodrigues ao PÚBLICO em Maio deste ano. “A exposição repetida a este fármaco leva à tolerância, isto é, cada vez precisamos de uma dose mais elevada para ter o mesmo efeito inicial.”

A “quarta onda” de opióides

O consumo destes opióides sintéticos com outras substâncias é comum e poderá aumentar o risco de overdose, já que muitas destas drogas que são misturadas não respondem à naloxona – o antídoto utilizado perante uma overdose de opióides.

“O fentanil deu início a uma crise de overdose de múltiplas substâncias, o que significa que as pessoas estão a misturar o fentanil com outras drogas, como estimulantes, mas também com inúmeras outras substâncias sintéticas”, diz Joseph Friedman. O investigador da Universidade da Califórnia (Estados Unidos) fala numa quarta onda de uma crise de opióides com duas décadas. A primeira onda originou um aumento nas mortes devido à prescrição de opióides, no início do século, a que se seguiu a segunda onda criada pela heroína. O fentanil aparece na terceira onda, com um grande aumento no número de mortes por overdose provocadas pelo consumo deste opióide sintético. Esta quarta onda remete-nos para a combinação do fentanil com outras drogas estimulantes, cujo início é datado em 2015, segundo o estudo agora publicado.

O aparecimento do fentanil entre os grandes responsáveis pelo aumento das mortes por overdose nos Estados Unidos está associado à falta de monitorização e regulamentação da prescrição de medicamentos. Este opióide sintético é prescrito para o alívio da dor, mas o risco excessivo de dependência destes medicamentos criou um mercado com mais consumidores – e também espaço para o aparecimento de fentanil no mercado ilegal. Nos últimos anos, várias farmacêuticas foram processadas pelo seu papel na crise de opióides norte-americana, como a Purdue Pharma, que foi processada pelo risco excessivo de dependência dos seus produtos, bem como pelo exagero na promoção das vantagens do uso prolongado destes fármacos.

Até ao momento, o fentanil continua longe da Europa. Enquanto na União Europeia houve 136 mortes associadas a esta substância em 2022, nos Estados Unidos foram registadas mais de 100 mil mortes devido ao consumo do fentanil. “A Europa é muito, muito diferente em muitas das vulnerabilidades observadas [nos Estados Unidos], como a prescrição ou a publicidade [aos opióides]. Mas, ainda assim, não é correcto ser complacente com o que os opióides sintéticos podem representar para nós enquanto ameaça futura”, alertava em Junho Paul Griffiths, director científico do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência.

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