Baixo Vouga: De foicinha na mão, a fazer a monda do arroz nos campos de Canelas

Estarreja continua a convidar a comunidade para acompanhar o ciclo de produção do grão que brota dos terrenos do Baixo Vouga Lagunar. A 4 de Novembro, há showcooking.

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Nelson Garrido
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Passados cerca de três meses, o cenário transformou-se por completo. O campo onde andámos com água quase até ao joelho está agora seco e repleto de plantas verdes. A grande maioria delas está carregada de espigas de arroz, anunciando que, o trabalho que fizemos em finais de Maio, está prestes a dar os seus frutos. Não tantos como o orizicultor Carlos Valente esperava. Este ano, a produção vai ser muito inferior à do ano passado e, contrariamente ao que se possa pensar, a culpa nem foi da falta de experiência daqueles - dos quais fazemos parte - que por ali andaram a lançar as sementes para o campo. Os grandes responsáveis, segundo confessou o produtor estarrejense, foram os íbis, que este ano andaram pela região em grande número.

“No ano passado, terão andado por aqui uns 300. Este ano, foram mais de 1.000”, lamentou, pouco antes de nos conduzir pelo campo adentro. Desta vez, é preciso fazer a monda. De foicinha e tesouras de poda em punho, andámos a cortar as milhãs (planta gramínea que cresce espontaneamente) pela raiz, evitando que elas comprometam o desenvolvimento da planta-do-arroz.

Apesar da ameaça de chuva que pairava no ar, naquele primeiro domingo de Setembro não faltou quem dissesse presente ao convite lançado pela Câmara Municipal de Estarreja para, mais uma vez, arregaçar as mangas e experienciar as várias etapas do ciclo de produção de arroz - a primeira acção, em finais de Maio, incidiu sobre a sementeira. A única repetente, além de nós, era Juliana Cunha, que estava ali numa dupla condição: voluntária e coordenadora da futura Fábrica da História, espaço museológico que irá tomar conta das antigas instalações da “Hidro-Eléctrica” de Estarreja, onde em tempos era efectuado o descasque do arroz, e que tem abertura prevista para o próximo ano.

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Monda de arroz nos campos de Canelas, Salreu - Estarreja nelson garrido

Movida pela vontade de juntar os conhecimentos práticos à teoria que já conhecia, Juliana tem vindo a aproveitar as várias sessões de trabalho de campo abertas ao público. Naquela manhã de início de Setembro, não conseguiu evitar comparar o cenário com o qual se deparou na sementeira e o que encontrou agora, na monda. “Pensei que ia encontrar o terreno com mais água”, testemunhava, já depois de ter andado de tesoura na mão, concentrada no que estava a fazer. “É preciso ter cuidado para não cortar as plantas de arroz que estão junto às milhãs”, alertou.

Produtores contornam contrariedades

Aquele pequeno quadrado de terreno por onde os participantes iam cortando as milhãs é apenas uma pequena parte da produção total de Carlos Valente. Filho e neto de orizicultores, e serralheiro mecânico de profissão, já vai com 10 hectares de campos e uma marca própria de arroz (D’Jardim). Está determinado em não deixar cair a tradição do arroz de Estarreja, produzido nos campos de Canelas e de Salreu, e nem as contrariedades como a que está a enfrentar este ano são suficientes para o levar a pensar em desistir.

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“No ano passado, estive a cultivar só seis hectares e tirei 20 toneladas de arroz. Este ano, estou a fazer dez hectares e não vou conseguir atingir esse número”, lamentou o produtor que já fez algum trabalho de casa para reduzir o impacto dos “ataques” dos íbis. “Fiz um ensaio com uma sementeira a seco, uma vez que esses pássaros nem vêm atrás do arroz, mas daquilo que está na água, e até correu bem”, contou. Ainda assim, o ideal é que se consiga manter “aquela que é a envolvência e a identidade do arroz do Baixo Vouga”, sustentou, depositando todas as esperanças num investimento feito pela autarquia local para afugentar os íbis dos campos de cultivo. Em causa estão “umas botijas de gás que simulam um tiro”, revelou, a propósito dos equipamentos que já estão à disposição dos produtores, mas cujo efeito só deverá ser sentido na produção do próximo ano.

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Monda de arroz nos campos de Canelas Nelson Garrido

Objectivo é aumentar o número de produtores

Depois de ter assistido, durante várias décadas, ao abandono dos campos de cultivo, a câmara de Estarreja aposta agora todas as fichas no retomar daquela que foi uma das actividades económicas mais importantes do concelho - só na freguesia de Salreu, em 1930, existiam 16 cultivadores de arroz. “Sabemos que é preciso um trabalho de persistência, mas acreditamos que mais produtores poderão vir a juntar-se aos que estão, actualmente, em actividade”, perspectivou a vereadora Isabel Simões Pinto. São 12, em todo o concelho, segundo as contas de Carlos Valente, que já se dá por muito satisfeito se, no próximo ano, o número se mantiver. “Como alguns produzem para auto-consumo, já dizem que não vão voltar a semear por causa do que aconteceu com os íbis”, apontou.

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Resta a esperança de que a colheita, prevista para finais de Setembro, consiga ser mais animadora do que os produtores vão estimando. Seja como for, mantém-se o convite à população para acompanhar de perto as várias fases do ciclo de arroz. A próxima actividade irá decorrer a 4 de Novembro, pelas 16h30, na Fábrica da História. Será um showcooking, a cargo de um chef convidado, onde os participantes poderão provar os pratos tendo o arroz como protagonista, num conceito farm-to-table. “Depois de acompanhar no terreno algumas das fases do ciclo do arroz - sementeira, plantação, monda e colheita - chega a tão esperada hora do público degustar o delicioso arroz do Baixo Vouga Lagunar”, anuncia a autarquia.

Para aqueles que estiveram a dar uma ajuda na monda já houve direito a uma espécie de amuse-bouche. Terminada a retirada das milhãs, Carlos Valente e a mulher, Patrícia Valente, fizeram questão de brindar os presentes com uma taça de arroz doce. E, a avaliar pela primeira prova, a experiência promete. Para conseguir lugar à mesa, é necessária inscrição prévia (participação gratuita) através do email visitabioria@cm-estarreja.pt ou do telefone 962774466.

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