Mais de 20 mil alunos vão estudar com manuais digitais. “O digital não deve ser intruso”
Presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares defende que é preciso cautela na introdução aos manuais digitais. “Temos de pensar seriamente nisto.”
Mais de 20 mil alunos do 3.º ao 12.º anos de escolaridade vão estudar com manuais digitais durante o ano lectivo que se inicia nesta semana. É a quarta fase do projecto-piloto lançado pelo Governo para substituir de forma gradual os manuais tradicionais em papel.
Estão envolvidas no projecto 160 escolas e cerca de 21.260 alunos, inseridos em 1153 turmas, de acordo com informação publicada no site do Governo. O programa inclui os três ciclos dos ensinos básico e secundário.
Face ao ano lectivo transacto, o número de alunos abrangido quase que duplica: em 2022/2023, estudaram com manuais digitais 11.437 alunos de um total de mais de 500 turmas de 68 agrupamentos escolares e escolas não agrupadas.
"O projeto-piloto Manuais Digitais decorre do Plano de Acção para a Transição Digital. A adopção dos manuais digitais, e a escolha dos anos de escolaridade e turmas a integrar, cabe aos Agrupamentos de Escolas/ Escolas não Agrupadas", explica ainda a tutela na mesma nota.
No Agrupamento de Escolas Dr. Costa Matos, em Vila Nova de Gaia, o projecto vai, neste ano lectivo, incluir oito turmas do 2.º e 3.º ciclos do ensino básico (do 5.º ao 8.º anos de escolaridade). Já no último ano escolar que o agrupamento dirigido pelo presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos Escolares, Filinto Lima, tinha tido duas turmas (5.º e 8.º) a estudar com manuais digitais. "Mas não entrámos a todo o gás, até foi uma entrada um bocadinho medrosa", recorda ao PÚBLICO.
O passo foi dado depois de sondar a comunidade educativa, pais inclusive, de forma a perceber em que turmas seria possível implementar os manuais digitais. E o balanço que faz do primeiro ano é positivo, "tão positivo que este ano estendemos os manuais digitais a mais turmas, o número quadruplicou".
Para o director escolar, é "essencial fazer a mudança paulatinamente, para não dar um passo de gigante". "E se virmos que é preciso, damos um passo atrás, Não estamos a pôr o lápis e o caderno de lado. Muito pelo contrário, estamos a aproveitar as tecnologias digitais em benefício do processo de aprendizagem. O digital é o futuro", explica Filinto Lima.
"O digital não deve ser um intruso, deve ser um convidado. É isso que estamos a fazer ao convidá-lo a entrar na sala de aula", reflecte ainda. E adianta que a escolha por turmas apenas do 2.º e 3.º ciclos foi propositada. "Não concordamos com a introdução [dos manuais digitais] no 1.º ciclo porque ainda são muito pequenos, ainda estão a aprender a aperfeiçoar as letras, os números", defende.
"Alunos não lêem, não escrevem"
Já o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), Manuel Pereira, explica ao PÚBLICO que, face às condições externas à escola, como o facto de ter muitos alunos residentes em locais mais isolados e com menos acesso à internet, optou por ainda não aderir ao projecto. "Tenho alunos muito dispersos, a vantagem seria os alunos não andarem carregados com os manuais nas mochilas, mas tenho problemas de alunos que vivem em sítios isolados, com poucas condições alguns e sem internet. De alguma forma foi por causa disso", explica. Mas não só.
Se, por um lado, as condições podem condicionar a aplicabilidade dos manuais digitais, a "influência negativa que o excesso de uso das novas tecnologias está a causar na linguagem, na escrita e na socialização dos alunos" também pesou para a decisão.
"Este ano vamos tentar avançar já com a escola sem telemóveis, que não vai ser fácil. Estamos a ver que os alunos não lêem, não escrevem e quando o fazem é como se fosse no telemóvel. Estão muito tempo agarrados ao telemóvel sem conversar, sem brincar", refere, apesar de admitir que há vantagens na desmaterialização dos manuais escolares. "Temos de pensar seriamente nisto."
Quanto ao repensar do modo como usam as tecnologias digitais nas salas de aulas que governos de países como a Noruega ou a Suécia estão a tomar, Manuel Pereira sublinha que "os suecos andam 30 anos à nossa frente em quase tudo". "Devemos fazer uma leitura cuidada das razões que os levam a alterar e tentar não cometer os mesmos erros caso se perceba que a situação é semelhante aqui", remata.