Correia da Serra, um português universal

A Academia vai assinalar o segundo centenário da morte de uma personalidade que conviveu com os grandes cientistas da sua época e se relacionou com os políticos mais proeminentes da Europa e dos EUA.

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Portugal, ao longo dos séculos, pode orgulhar-se de ter um conjunto de personalidades que ganharam dimensão universal. Citar é sempre omitir, mas julgo que o primeiro português com o maior protagonismo foi o Papa João XXI. Chamava-se Pedro Hispano (1215-1277), de seu nome completo Pedro Julião Rebolo, natural de Lisboa. Seguiram-se muitos outros portugueses que se distinguiram nos mais variados domínios, entre os quais dois prémios Nobel, um na Medicina, Egas Moniz; outro na Literatura, José Saramago.

Tudo isto vem a propósito de Correia da Serra, cujo segundo centenário da morte se completa hoje e vai ter, finalmente, comemorações em torno dos diversos aspetos da sua vida e da sua obra. Nasceu em Serpa, a 6 de junho de 1750 e faleceu nas Caldas da Rainha, a 11 de setembro de 1823, quando ali se encontrava em tratamento termal. Ali ficou sepultado, sem que lhe prestassem as homenagens a que tem pleno direito.

Um dos seus biógrafos, Augusto da Silva Carvalho (1861-1957), catedrático da Faculdade de Medicina de Lisboa reconstituiu o percurso de Correia da Serra, nas Memórias da Academia das Ciências (1948) divulgando factos e documentos que permitiram ampliar as investigações. A Fundação Luso Americana (FLAD) da presidência de Rui Machete ocupou-se da ação de Correia da Serra em trabalhos de referência sobre as relações de Portugal Estados Unidos, da autoria de Rui Machete; e também da autoria de António Vicente. A memória de Correia da Serra, nas iniciativas da FLAD, destacou o prestígio do intelectual que conviveu com os grandes cientistas da época e também se relacionou com os políticos mais influentes das capitais da Europa e dos Estados Unidos.

Numa retrospectiva sumária, podemos recordar que era filho de Luís Dias Correia, médico formado na Universidade de Coimbra, que se radicou em Itália a fim de escapar às garras da Inquisição. José Francisco Correia da Serra tinha apenas 6 anos. Estudou em Itália sob a orientação de Luís António Verney, sendo recetivo às conceções iluministas, introduzidas n’O Verdadeiro Método de Estudar. Em Roma licenciou-se em direito canónico e optou pela vida religiosa. Estabeleceu relações pessoais e intelectuais, em Roma com D. João de Bragança, Duque de Lafões, que conhecera o pai, na altura em que ambos frequentaram a Universidade de Coimbra.

Já com o título abade Correia da Serra, regressou a Portugal, em 1778. Era total o apoio do Duque de Lafões. Um ano depois, juntamente com D. João de Bragança fundaram a Real Academia das Ciências de Lisboa. Sucederam-se as perseguições movidas pelo Intendente Pina Manique. Abandonou o país em 1786, para voltar em 1790. Durante seis anos exerceu o cargo de secretário-geral da Academia das Ciências. Promoveu, por exemplo, a concessão de bolsas de estudos na Europa para jovens membros da Academia. Foi o caso dos brasileiros Manuel Ferreira da Câmara e José Bonifácio de Andrade e Silva, que impulsionaram a independência do Brasil.

Envolvido em novos problemas políticos decidiu instalar-se no Reino Unido. Pelos seus altos méritos, ingressou na Royal Society e na Sociedade Lineana de Londres. Operou-se, em 1801, uma mudança inesperada na política portuguesa. Rodrigo de Sousa Coutinho, neto do Marquês de Pombal, foi designado Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros. Correia da Serra passou a ser secretário da representação diplomática portuguesa em Londres. Enquanto esteve em Paris, até 1811, colaborou com os enciclopedistas, nomeadamente, com Antoine Laurent de Jussieu, Alexander Von Humboldt e Georges Cuvier. Para a Enciclopédia Diderot solicitou a Correia da Serra a redação do artigo sobre o terramoto de Lisboa.

Por ocasião da terceira invasão francesa em Portugal, Correia da Serra, terá sido instigado para subscrever um documento em que justificava a política napoleónica. Ao recusar, terminantemente, Correia da Serra, mais uma vez, viu-se obrigado a procurar o exílio político, no estado americano da Virgínia. Chegou, em 1812, a Washington, com cartas de recomendação, de individualidades franceses, com influência na política americana tais como: André Thouin e o Marquês de Lafaiete. Filadélfia constituiu, no entanto, o seu espaço privilegiado. Foi logo admitido na American Philosophical Society. Verificou-se, de imediato, a amizade recíproca e a mútua admiração entre Correia da Serra e Thomas Jefferson. Em Monticello frequentou, com assiduidade, a residência palaciana da família Jefferson.

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Correia da Serra numa interpretação de Álvaro Carrilho

Voltou a Portugal em 1820. Estava implantada a revolução liberal. Foi eleito deputado às Cortes. Era a situação em que permanecia ao falecer no ano seguinte, nas Caldas da Rainha. Estas e outras questões vão ser analisadas na reabertura do ano académico da Academia das Ciências, a realizar no próximo dia 15, em sessão presidida pelo Prof Dr. José Luís Cardoso, presidente da Academia das Ciências. Terá honras de salão nobre, não só para os sócios efetivos e os sócios correspondentes da Classe de Letras e da Classe das Ciências mas aberta a todo o público interessado. Três comunicações serão proferidas: a de José Luís Cardoso, sobre As origens do programa científico de Correia da Serra; a de Maria Paula Diogo acerca da História, Botânica e Geologia na obra do Abade Correia da Serra; e, ainda a intervenção conjunta de José Alberto Silva e Fernando Figueiredo, a propósito dos Ensaios para a História da Academia das Ciências.

Como é evidente, em todas estas comunicações predominam as finalidades definidas por Correia da Serra nos fundamentos estatutários da Academia sintetisadas na divisa: Nisi utile est quod facimus, stulta est gloria, ou seja, na tradução portuguesa: “Se não for útil o que fazemos, a glória será, inevitavelmente, vã”. Decorridos mais de dois séculos perdura o objetivo primordial de Correia da Serra ao colocar sempre a ciência ao serviço do aperfeiçoamento humano.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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