Marcelo Rebelo de Sousa une-se às vozes que pedem mudança de regras no Douro

Presidente da República uniu a sua às vozes que têm vindo a reclamar uma reforma regulamentar urgente na região vitivinícola do Douro. As suas palavras, na Vindouro, já chegaram a publicações lá fora.

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Marcelo Rebelo de Sousa falou sobre o Douro e os seus problemas e o assunto é notícia lá fora Nuno Andrade Ferreira / Lusa
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"Presidente português apoia reforma regulamentar urgente do Douro". Marcelo Rebelo de Sousa esteve na mais antiga feira de vinhos do Douro na última quinta-feira, falou sobre o elefante na sala — os problemas que, nas suas palavras, "estrangulam financeiramente a produção" de vinho na região — e a sua intervenção já é notícia lá fora. Por cá, motivou esta quarta-feira reacções do Governo e das associações de produtores e comércio na região.

"A última vez que foi definido em regras de direito aquilo que é a região do Douro em termos de demarcação foi há cerca de 100 anos" e depois disso existiram "ajustes" e "retoques" que não impediram que produtores e sobretudo viticultores chegassem à situação aflitiva que vivem hoje, notou o Presidente da República num almoço em São João da Pesqueira, à margem da 21.ª Vindouro, que decorreu no último fim-de-semana.

Segundo o jornal Eco, falando do abaixo-assinado "O Douro merece melhor", lançado em Julho e assinado por vários nomes dos "grandes" da região, no mesmo almoço, Marcelo comentou: “Já recolheu mais de um milhar de assinaturas, para olhar para a situação e ver o que é que se pode fazer em termos de regulamentação para ajustar à realidade de hoje e de amanhã.”

A discussão, considerou, é do interesse dos portugueses e "do interesse de Portugal". Um acordo serviria em primeira análise quem cultiva a vinha: "Poderia dar um começo de resposta a uma realidade que conhecem, até porque vários entre vós cultivam as duas formas de expressão de riqueza vitivinícola: o vinho do Porto e o vinho do Douro". E esse "consenso" seria "bom para os produtores, todos eles", insistiu.

A propósito de uma solução para a região, o Presidente da República disse ainda ser importante "estabilizar o acordo" que permitiu dar nova vida à Casa do Douro, hoje gerida de forma privada pela Federação Renovação Douro. "Não pode mudar o Governo e mudar o estatuto da Casa do Douro. Ou mudar a maioria parlamentar e mudar o estatuto da Casa do Douro", comentou Marcelo.

Marcelo Rebelo de Sousa não se limitou a abordar o tema da Casa do Douro ou o tema da justa remuneração dos viticultores pela uva ou a questão de a mesma uva ser paga a valores diferentes consoante vai para a produção de vinho do Porto ou de vinho tranquilo (com Denominação de Origem "Douro"). Numa outra intervenção, em directo para as câmaras de televisão, o Presidente falou também do "problema de trazer uva de fora da região", "uvas que são exteriores e que representam fazer um vinho diferente, que exige talvez uma legislação para ficar claro aquilo que é vinho do Porto e aquilo que é DOC Douro".

No mesmo directo, o Presidente falou ainda sobre o "empenho nacional" e dos "autarcas" da região, "que [com o que] vende em termos de vinho do Porto contribui para cerca de 40% ou mais de 40% das exportações portuguesas". "Naquilo que é vinho DOC Douro, no peso global das exportações de vinho de Portugal, vai acima daquilo que tem sido a evolução com altos e baixos do vinho do Porto. Portanto, estamos perante aquilo que é verdadeiramente um trunfo de exportação do país", vaticinou.

Esta terça-feira, o tema e as palavras de Marcelo Rebelo de Sousa chegaram à revista especializada The Drinks Business, numa notícia assim intitulada: "Portuguese president endorses urgent Douro regulation reform" ("Presidente português apoia reforma regulamentar urgente do Douro").

No texto assinado por Eloise Feilden, a editora daquela publicação para a Ásia, para além de traduzidas as palavras do Presidente da República, é publicada versão em inglês, e integral, do texto do abaixo-assinado "O Douro merece melhor", cujo enfoque é a sustentabilidade socioeconómica dos viticultores, mas também a sobrevivência das empresas e dos seus vinhos, cá mas sobretudo lá fora. É o imbróglio da mais antiga região demarcada do mundo a começar a correr mundo.

Reacções, das associações à tutela

Por cá, e já esta quarta-feira, associações de produtores e comércio, ouvidos pela agência Lusa, dizem concordar com a necessidade célere de rever o quadro regulamentar da Região Demarcada do Douro, como foi defendido recentemente pelo Presidente da República.

"Esta intervenção do senhor Presidente da República é muito importante e torna incontornável a necessidade de enfrentarmos o problema. Convoca-nos e responsabiliza-nos quanto à necessidade de alterarmos o estado das coisas", afirmou à Lusa o presidente da Associação das Empresas de Vinho do Porto (AEVP).

Também subscritor a título individual do documento "O Douro merece melhor", António Filipe considera importante a postura de Marcelo Rebelo de Sousa tendo precisamente em conta as condições desta vindima, com acréscimo de produção, quebras nas vendas de vinhos da região e impacto dos preços. "E todos temos que nos responsabilizar", aponta.

Uma das questões apontadas pelas associações é a "falta de autonomia" do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP), um instituto público cujo orçamento advêm das taxas pagas pelos viticultores e pelas empresas do sector. Com a AEVP a defender "que o estatuto do IVDP deveria ser o de uma CVR [Comissão Vitivinícola Regional], de uma comissão de vinhos como as restantes do país, entidades privadas a quem possam ser atribuídos também alguns fins públicos". Para António Filipe, este é um "passo absolutamente vital". Na sua opinião, é também preciso pensar quais são as quantidades de vinha que a região precisa e as produtividades que se deve ter para garantir que haja um equilíbrio entre a oferta e a procura.

Já Rui Paredes, da Federação Renovação do Douro / Casa do Douro, diz que o Presidente da República colocou o Douro na "agenda do dia" e considera importante "fazer uma alteração". "O modelo que nós temos do IVDP não é eficiente. Que eu acho que se deve manter na esfera do Estado, alguma parte, sim, mas as coisas têm que ser muito mais ágeis. Não podemos estar à espera de ir com o chapéu na mão pedir ao senhor secretário de Estado do Orçamento que desbloqueie verbas para podermos fazer promoção" salientou, em declarações à Lusa. A falta de funcionários no instituto público, que tem "menos 30% no quadro de pessoal", é outra questão apontada por Rui Paredes. "

O modelo actual não está a dar resolução a uma série de constrangimentos que nós estamos a sentir", comenta, por seu turno, Rui Soares, da Associação dos Viticultores Profissionais do Douro (Prodouro), advertindo, no entanto, que é preciso ter cuidado com a forma como essa revisão se vai processar. Também este responsável aponta para o IVDP: "se não está dependente do orçamento do Estado, também não faz sentido que depois dependa de autorizações de despesa do Ministério das Finanças, tem que ter autonomia. E essa é uma das reformas que é fundamental, que é necessária fazer".

Rui Soares diz-se "defensor de uma evolução para um modelo privado" relativamente à gestão da região. Mas, ressalva: "Não podemos passar do oito para o 80. Acredito que sim, mas de uma forma evolutiva. Passar o IVDP de público a privado, assim do dia para a noite, parece-me muito arriscado".

Esta quarta-feira, já quatro adegas cooperativas da região tinham feito saber que iam pedir uma audiência urgente à ministra da Agricultura para reclamar soluções rápidas que permitam aos pequenos e médios produtores do Douro venderem as suas uvas a um preço justo.

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A remuneração justa dos viticultores pela uva no Douro é um dos maiores problemas na região, que também reclama um modelo privado de gestão Tiago Bernardo Lopes

Instado pela Lusa a comentar o desafio lançado por Marcelo, o ministério de Maria do Céu Antunes respondeu que, no âmbito do Plano Estratégico para o Douro, foi "já criado um grupo de trabalho e estimulada a elaboração de um estudo analítico ou masterplan, com o objectivo de serem estudadas propostas e medidas concretas com vista à valorização da região demarcada e da sua competitividade e sustentabilidade". O assunto foi abordado pela ministra em sede do conselho interprofissional e do conselho consultivo do IVDP, concretizada a resposta.

"O que se pretende nesta matéria e com esse propósito é, precisamente, promover uma acção concertada, de colaboração e convergência de todos os interesses e intervenientes com responsabilidade e valias no sector, adaptando e adequando o que foram ontem, são hoje e pretendemos que sejam amanhã, os desafios e respostas da Região Demarcada do Douro e deste nosso património nacional que são o vinho do Douro e do Porto", acrescentou o ministério.

Notícia actualizada às 18h03 com as reacções das diversas associações e do ministério da Agricultura.

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