Expectativas escolares: ver sempre o copo meio cheio

É empolgante – e até mesmo comovente – ver as crianças a chegar à escola no primeiro dia de aulas com o material escolar novinho em folha, marcando simbolicamente o início do seu percurso escolar.

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Há algumas crianças que terminam o 1.º ano sem dominarem o mecanismo da leitura e da escrita Magda Ehlers/pexels
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A entrada para a escolaridade é vivida com grande expetativa pelas crianças e pelas famílias. Este momento tão significativo assinala a passagem do mundo dos não leitores para o mundo dos leitores. Daí que a aprendizagem da leitura e da escrita se revista de particular importância nesta fase.

É empolgante – e até mesmo comovente – ver as crianças a chegar à escola no primeiro dia de aulas com o material escolar novinho em folha, pronto a estrear, marcando simbolicamente o início do seu percurso escolar. A vontade é muita e a idealização é imensa: na verdade, julgam que basta entrar para a escola para aprenderem a ler, como num passe de magia!

Ao fim de uma semana de aulas, depois de feito o balanço, é comum haver alguma desilusão por parte dos alunos. Afinal, já estão há uma semana na escola… e ainda não aprenderam a ler…! É chegado o momento de lhes explicar que essa caminhada vai ser um pouco mais longa do que supunham. E que, se vai suscitar entusiasmo, alegria, surpresa e maravilhamento, também vai implicar trabalho, atenção, repetição e resiliência. São precisamente estas as duas faces da mesma moeda.

É que a passagem para o mundo dos mais crescidos não acarreta apenas privilégios: também implica abandonar gradualmente as prerrogativas da primeira infância, começando a integrar, gradualmente, a necessidade de adiar os mecanismos de recompensa momentâneos, em nome de um bem maior, no futuro. Ou seja, pressupõe aceitar que, por vezes, temos de realizar tarefas, mesmo que não nos apeteça, para que, mais tarde, possamos experienciar o orgulho de ler um livro pela primeira vez.

A maioria das crianças ultrapassa esta etapa com sucesso e conquista o seu lugar no mundo dos leitores, durante o 1.º ano de escolaridade. Mas não o fazem todas ao mesmo tempo. Enquanto algumas aprendem a ler e a escrever ainda no 1.º período, outras só realizam esta aprendizagem no final do ano letivo. Mas também há algumas crianças que terminam o 1.º ano sem dominarem o mecanismo da leitura e da escrita.

Esta situação causa, naturalmente, preocupação nas famílias, sobretudo quando, em comparação com os colegas, parece que o filho está a “ficar para trás”. No entanto, na maioria das vezes, uma aprendizagem mais tardia da leitura e da escrita não corresponde a um problema de aprendizagem, mas sim a um ritmo diferente neste processo, que se ultrapassa com o amadurecimento da criança e o apoio pedagógico adequado.

É um mito julgar que as crianças aprendem todas ao mesmo tempo e que as turmas são homogéneas por natureza. Os alunos têm ritmos de aprendizagem, níveis de maturidade distintos e idades que podem oscilar em quase um ano de diferença, progredindo na aquisição de conhecimentos de acordo com essas condicionantes, nem sempre de forma linear ou constante.

Mais frequentemente do que poderíamos supor, as crianças surpreendem-nos, dando “saltos” na aprendizagem, parecendo que fizeram um “click” e que aprenderam de um dia para o outro. Na realidade, este aparente “click” corresponde ao culminar de um processo que a criança estava a elaborar silenciosamente, até se revelarem os seus resultados. Mas não deixa de ser especial e empolgante este momento inesquecível em que se faz luz no processo de aprendizagem!

Daí que seja muito importante que os adultos que rodeiam a criança vejam sempre o copo meio cheio, transmitindo-lhe confiança nas suas capacidades e reconhecendo os seus pequenos progressos e as suas grandes conquistas. Também é relevante que apoiem a criança, sem tecer comentários depreciativos nem estabelecer comparações com os colegas.

Na minha opinião, o maior investimento a nível do apoio pedagógico deveria privilegiar o 1.º ano de escolaridade, de modo a criar condições para o sucesso escolar, em vez de se esperar pelo final do ano para referenciar as crianças com dificuldades de aprendizagem, para que beneficiem de apoio pedagógico no 2.º ano. Atuar por antecipação faz toda a diferença, apostando na prevenção do insucesso escolar, em vez de, mais tarde, tentar remediá-lo, quando a criança e a família já veem o copo meio vazio.

Com turmas numerosas, a dificuldade do professor é chegar a todas as crianças que, nesta fase, ainda são pouco autónomas e necessitam de muita ajuda para realizarem as tarefas escolares. Por mais que se desdobre, o professor frequentemente sente-se impotente para colmatar as dificuldades de todos os seus alunos.

Para inverter esta situação e promover o sucesso no início da escolaridade, são indicadas as seguintes estratégias pedagógicas:

  • Coadjuvação pedagógica, com mais um docente em sala de aula, em determinados momentos do horário escolar. A presença de dois professores em sala de aula permite chegar a todas as crianças, apoiando-as na realização das tarefas e colmatando as dificuldades identificadas.
  • Diferenciação pedagógica, com propostas de trabalho distintas e diversificadas, adaptadas ao nível de aprendizagem dos alunos. Esta modalidade permite a cada criança avançar de acordo com o seu ritmo e progredir consoante os seus interesses, tornando a aprendizagem mais significativa, motivadora e adequada.
  • Trabalho cooperativo entre alunos, promovendo o trabalho de grupo e a pares. A valorização da solidariedade e o hábito de trabalhar em equipa incentiva a troca de saberes, explicados com uma linguagem proximal, que revela grande eficácia na partilha de conhecimentos interpares.
  • Envolvimento das famílias, em articulação com a escola, visando a realização de tarefas de curta duração, que incidam nas dificuldades a superar, mas não interfiram demasiado nas rotinas familiares. Esta intervenção deve ser afetuosa e gratificante para pais e filhos, fazendo a ponte com a vida real, de modo a valorizar a importância das aprendizagens aos olhos da criança.

Contudo, se depois de ser respeitado o ritmo de aprendizagem e de ser reforçado o apoio pedagógico, a criança continuar a manifestar dificuldades a nível escolar, é chegada a altura de fazer um ponto de situação entre a escola e a família, envolvendo o pediatra, para pensar nos passos seguintes.

No momento considerado oportuno pelos intervenientes no processo educativo, poderá ser solicitada a avaliação do aluno pelo profissional indicado para a problemática identificada ou por uma equipa multidisciplinar. Em caso de dúvida, julgo que é sempre preferível pecar por excesso do que por defeito, descartando a possibilidade de haver uma dificuldade que necessite de uma intervenção especializada.

Mas, em todo este processo, é fundamental um olhar benigno e manter a esperança, confiando na capacidade de progressão da criança e realizando o que estiver ao nosso alcance para a potenciar. É que, no seu ritmo e com o apoio necessário, a grande maioria das crianças desenvolve o seu potencial e surpreende-nos com as suas conquistas e com a sua individualidade, revelando os talentos que a transformam num ser único.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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