Durante quase quatro décadas funcionou ali o parque de campismo do Porto Santo (e um dos dois até aqui existentes no arquipélago). Neste domingo, o Governo Regional da Madeira inaugura, nesse terreno de localização privilegiada, à beira-mar e junto à vila, um parque urbano, que promete estar acessível a todos mas que ainda não está totalmente terminado. Representa um investimento de quase 700 mil euros, com comparticipação comunitária.
No início de 2024, ainda será requalificada a frente dunar, onde nascerá a primeira vinha de exploração directa de António Maçanita e Nuno Faria (da Companhia de Vinhos dos Profetas e dos Villões) na ilha dourada e será executado um passadiço sobrelevado de acesso à praia. E, "a seu tempo", revelou ao PÚBLICO o autarca do Porto Santo, nascerá um novo parque de campismo, um "investimento privado" em localização que ainda está por decidir.
O antigo parque de campismo está na memória de muitos madeirenses e tantos quantos visitaram o Porto Santo nos últimos 40 anos. Quem circulasse, nas últimas semanas, pela estrada que acompanha os nove quilómetros de areal dourado que a ilha oferece facilmente percebia que a paisagem tinha mudado. Às figueiras, hibiscos e dragoeiros que já ali existiam, juntaram-se mais árvores e arbustos, que fazem agora sombra de verdade, e uma pequena área de cactos. Há passeios, com iluminação, pérgulas e áreas de repouso. E salta à vista uma construção branca no centro do parque, parece uma das tradicionais casas da lancha do Porto Santo — é de propósito — e alberga um café de apoio.
Contactada pelo PÚBLICO, a secretária regional de Ambiente, Susana Prada, explicou que as espécies botânicas plantadas agora "acrescentam, às essenciais funcionalidades de sombreamento e redução da temperatura ambiente, valores culturais e cénicos". Partilhou ainda que a extensão do parque (23 mil metros quadrados) e a sua configuração permitirão "futuramente, e se justificado, facilmente dotar o espaço de outras funcionalidades e equipamentos, como jardins temáticos, áreas de espectáculo ou desporto ao ar livre".
Inaugurado em 1983, o parque de campismo teve "um papel fundamental na economia" da ilha, recorda o autarca local, Nuno Batista. Nos seus tempos áureos, e quando a oferta de camas na ilha não era o que é hoje, o equipamento público era mesmo "o espaço onde se concentravam mais pessoas", acomodando "um turismo fundamental para o Porto Santo, vindo da Madeira". Há já alguns anos que por ali não se via mais do que meia dúzia de tendas, a pandemia de covid-19 fez o resto, precipitando o seu encerramento, logo em Março de 2020.
Em 2021, transformar aquela área num espaço verde público foi uma das propostas do então candidato social-democrata à presidência do município. Para a tutela, "acabou por ser uma opção natural", uma vez que o campismo já não tinha tanta procura como a que registou nas primeiras duas décadas, atalha Susana Prada, que respondeu ao PÚBLICO por email. E também, elabora a responsável, uma opção "que se enquadra nas políticas públicas e na visão urbanística desenvolvida nos últimos anos pelo governo regional [que é PSD desde 1976], de dotar as áreas urbanas com espaços abertos, de lazer e fruição pública", que possam mitigar os efeitos de uma "densificação das malhas urbanas".
Nuno Batista revela, no entanto, que este não é o fim do campismo no Porto Santo. "No tempo certo, iremos apresentar um projecto novo de campismo, que contemple novas realidades, como o glamping, por exemplo." Pode revelar em que zona? "Ainda não, porque existe algum interesse por parte de privados em fazer esse investimento e iremos estudar em conjunto qual a melhor área."
Uma vinha à beira-mar
O governo regional madeirense espera que o novo Parque Urbano do Porto Santo tenha elevada afluência, sobretudo nos meses de Verão (quando a população na ilha quadruplica). Por isso, entendeu, por um lado, diversificar a oferta de atracções no parque e, por outro, fazer dele uma "montra" das "características identitárias da frente costeira do Porto Santo, nomeadamente das culturas agrícolas, tradicionalmente existentes no tardoz do sistema dunar".
Fez o convite à Companhia de Vinhos dos Profetas e dos Villões, "que tem investido na vinha tradicional da ilha do Porto Santo" e que "demonstrou interesse em explorar" o espaço, explica Susana Prada. Segundo a governante, "foi assegurado um processo de atribuição de concessão, sujeito a edital e à emissão de um título de utilização privativa". E a empresa fez o que lhe competia e candidatou-se às autorizações para novas plantações junto do Instituto da Vinha e do Vinho. Esse OK chegou no início do Verão.
Nuno Faria, um dos sócios, avançou ao PÚBLICO que a vinha será "só de Listrão", uma das castas identitárias da ilha, terá "2500 metros quadrados" e será plantada "entre Janeiro e Março" do próximo ano, como manda a tradição. Rodeada por muros de crochet e com rega por alagamento. "Estamos a tentar que seja por alagamento: como chove tão pouco durante o ano, quando chove, os viticultores tentam direccionar a águas e inundam as vinhas. E o solo, como é argilo-calcário, armazena a água", explica o responsável, a quem os locais ora dizem "isso é impossível", ora atiram "não se meta nisso". Como o sócio António Maçanita já se viu noutras situações ditas impossíveis e nelas viu oportunidades, porque não?
Além disso, a experiência do governo regional noutro projecto que envolve plantar vinhas nas dunas do Porto, o Life Dunas, na zona da Calheta, poderá ser uma ajuda. "A plantação de vinhas no tardoz dos sistemas dunares é um desafio técnico complexo", mas que os agricultores da ilha, "de forma engenhosa, conseguiram ao logo de décadas fazer vingar", nota Susana Prada. Por essa razão, partilha, a equipa do Life Dunas tem "trabalhado com recurso a técnicas locais, experimentadas", mas "introduzindo alguma inovação e experimentação".
Os desafios são vários, nomeadamente "recursos hídricos, profundidades dos solos, vento e 'correnteza' das areias, coelhos-bravos, salinidade". Mas afiança a governante: "As vinhas [do Life Dunas] começam a vingar e há desde já um efeito muito positivo: há um crescente interesse e procura por desenvolver vinha tradicional do Porto Santo." Do Life Dunas, a tutela aproveitará outro ensinamento: "técnicas amadurecidas no contexto desse projecto" permitirão reforçar a frente dunar do novo parque "com sedimentos provenientes de manchas de empréstimo marinhas".
Aos desafios enumerados anteriormente, Nuno Faria acrescenta outra preocupação: as pessoas, que não resistirão a passar na nova vinha, e numa praia tão movimentada como a da Fontinha, sem provar uns bagos. Bagos que, na cabeça de Nuno e António, poderão origem a um vinho de parcela muito diferenciado. "Ainda estamos a pensar como é que vamos proteger aquilo das pessoas."
Preocupação diferente tem o autarca local, que aponta que ainda falta iluminação aos Balneários (como é mais conhecida aquela praia). "Faz parte de um plano que no futuro envolverá a recuperação dos Balneários", avançou, em concreto o Plano de Urbanização da Frente Mar que Nuno Batista espera ver concluído até ao final de 2024, depois da discussão pública do novo Plano Director Municipal, que, ainda nos seus planos, poderá ir a discussão pública no próximo Verão.
A Companhia dos Profetas e dos Villões opera no Porto Santo há quatro anos e este Verão engarrafou os primeiros vinhos certificados 100% produzidos na ilha. Até ao ano passado, as uvas viajavam de barco para a Madeira e a vinificação foi sendo feita em adegas de diferentes parceiros; em 2022, Faria e Maçanita montaram e certificaram uma adega de raiz numa antiga garagem de mecânica, junto ao aeroporto.
A obra do Parque Urbano do Porto Santo arrancou em Fevereiro e é um investimento que ascende aos 694.180 euros, co-financiado pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER), por via do Programa de Desenvolvimento Rural da Região Autónoma da Madeira para o período (Proderam 2020).
Apesar de o acesso ser livre, o novo parque será vedado ("apenas para assegurar a segurança dos utentes e a correcta gestão", justifica a responsável pelo Ambiente no arquipélago) e funcionará de Junho a Setembro das 7h30 às 2h, e de Outubro a Maio das 8h à meia-noite.
Em mês de eleições regionais (a Madeira tem sufrágio já a 24 de Setembro), há mais uma inauguração a animar o fim-de-semana: nesta sexta-feira, será devolvida aos porto-santenses a possibilidade de descerem em segurança até ao fontanário da Fonte de Areia e aí voltarem a encher os garrafões (era assim há algumas décadas, quando ainda não se confiava na água dessalinizada que chega hoje a todas as casas) ou, simplesmente, se reunirem. A obra incidiu sobre as arribas e o estradão de terra que dá acesso à fonte e sobre o próprio fontanário, construído no século XVIII.