Um Filme do Caraças. A tragédia da comédia portuguesa

Como é que se pode ter uma ideia tão baixa do que é um espectador de cinema, do que é o cinema?

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Um Filme do Caraças? Cinema zero DR
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A tragédia da comédia portuguesa, capítulo enésimo primeiro. Mesmo imaginando de antemão ao que vai, os olhos do espectador arregalam-se: como é que “fazer rir” pode continuar a funcionar como um álibi para servir “uma coisa qualquer” (já agora, seria um título mais fiel, nos mesmos termos autodescritivos, do que Um Filme do Caraças), como é que se pode ter uma ideia tão baixa do que é um espectador de cinema, do que é o cinema, do que é um filme?

Um Filme do Caraças não é muito distinto do capítulo anterior desta tragédia, Pôr do Sol: O Mistério do Colar de São Cajó​: a mesma relação pueril com o sexo (aqui trata-se de um realizador de filmes pornográficos, e depois um actor de filmes pornográficos, a experimentarem trabalhar num “filme a sério”, que, já agora, também é uma caricatura paupérrima da ideia que os autores devem ter do cinema português), um argumento mal desenvolvido, assente em graçolas que parecem ser um esboço, a primeira coisa que passou pela cabeça de alguém que achou que estava bem assim, para quem é bacalhau basta, para quê perder tempo a trabalhar o texto... Do que resulta, para além de uma falta de graça absolutamente penosa, que a responsabilidade de “fazer rir” passa para os actores – e é vê-los, espectáculo confrangedor, no sentido em que dá pena deles mesmo, a esforçarem-se ingloriamente para tornar “engraçados” diálogos que não têm ponta de graça, inventando sotaques, fazendo boquinhas e caretas e olhinhos que parecem mais um pedido de desculpa aos espectadores do que um convite à cumplicidade dele.

E depois é tudo arrastado, satisfeito em repetir a primeira ideia que veio à cabeça. Um exemplo: a personagem de Eduardo Madeira tem de estar nua em várias cenas, coisa que se resolve pixelizando as suas partes pudendas, como num vídeo da Internet. E vai uma vez, e vão duas, e vão três, sempre o mesmo gag dos píxeis, sem ninguém pensar (e um realizador efectivamente “do caraças” faria uma festa perante semelhante interdito) que até seria divertido inventar enquadramentos que bloqueassem a visão das partes baixas do actor (espectáculo que, aí estamos todos de acordo, ninguém no seu perfeito juízo quer ver). Mas para quê, se Um Filme do Caraças é o resultado de cinema a menos e televisão e Internet a mais, e presumivelmente procura um espectador nas mesmas condições?

Fomos vê-lo, por coincidência infeliz, no dia do sexto aniversário da morte de Jerry Lewis, o “total filmmaker”, o “cineasta total”, um dos últimos a encarar a comédia como a possibilidade de “cinema total”, o que, sendo só uma coincidência, acentua o contraste com esta profunda degradação da comédia, rumo ao “zero filmmaking”, o “cinema zero”.

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