É sabido que a exportação dos vinhos do Douro foi antecedida pelos tintos do Minho, então conhecidos como vinhos de Viana, já que era a partir do porto da foz do Lima que desde o séc. XVI eram levados para Inglaterra. Um comércio tão intenso que levou à criação de uma feitoria, à instalação em Viana do Castelo das famílias inglesas que vieram depois a notabilizar-se com o comércio do vinho do Porto.
Nos vinhos, as histórias sempre fizeram parte do negócio, e, pelos vistos, há também uma que relaciona o vinho Verde com a decisiva aposta de Fernando Nicolau de Almeida e da Casa Ferreira no avanço para a produção do Barca Velha. Mas os vinhos nada tinham em comum. Bem pelo contrário, foi até na procura de solução para os problemas de qualidade com que se deparavam na produção dos Verdes que se tornou evidente o enorme potencial do tinto do Alto Douro.
Lançado em 1952, o Barca Velha desde logo se destacou como o vinho mais distintivo da produção nacional. De classe mundial e com preço a condizer. E o preço, ou melhor, os preços demasiados baixos, são hoje um dos principais desafios que se colocam para o futuro do Douro. A questão é recorrente e, como tal, não podia deixar de ser abordada na entrevista que João Nicolau de Almeida deu esta semana à RTP.
Foi aí que o enólogo, filho, como se sabe, do criador do Barca Velha, contou a tal história do Vinho Verde, mas a conversa a sério esteve ligada à estratégia e futuro para o Douro. À qualidade, crescente prestígio e reconhecimento para alguns vinhos da região, mas sobretudo à ameaça que representam os vinhos baratos, com preços abaixo dos custos.
As coisas até estão a correr bem, nos últimos anos têm sido lançados vinhos muitíssimo bons acima dos 50€, disse, mas a atractividade, o glamour e a visão romanceada da região atraem também novos produtores, que depois não conseguem colocar os seus vinhos e vendem-nos a preço baixo, apenas para amortizar custos. E porquê? Porque fazem vinho a mais!
Ou seja, para ter futuro e ter no vinho um negócio rentável o Douro tem que produzir menos. E também apostar na fiscalização, impedir a entrada ilegal de vinho a granel, como denunciou também Nicolau de Almeida. Pode parecer contraditório, mas produzir menos é mesmo o caminho para maior rentabilidade do negócio. Desde que com qualidade. Que resulta também do aproveitamento apenas das melhores uvas. Afinal, como desde sempre ensinaram os economistas, o preço ajusta-se às variantes da oferta e da procura.
Basta ver os números dos países que mais exportam. Lidera a Espanha (dados de 2021), com 23 milhões e hectolitros, seguida pela Itália (22,2) e França (14,6), mas estas são posições que se invertem quando o critério é a receita. Aqui manda a França (11 mil milhões de euros), seguida por Itália (7) e Espanha (2,9). Ou seja, exportando pouco mais de metade a França arrecada quase o quádruplo do valor de Espanha, mostrando que a menor oferta potencia o preço.
É certo que a qualidade e prestígio são sempre os factores decisivos. Mas também isso decorre dessa escolha, aproveitar apenas a melhor qualidade. Veja-se o Barca Velha que em mais de 70 anos só lançou 20 colheitas, apenas três nos últimos 20 anos. A última, da colheita de 2011, cada garrafa custa à volta de 800€ nas garrafeiras.
Como disse Nicolau de Almeida na RTP, se os produtores não vendem é porque fizeram vinho a mais. O sucesso do Barca Velha, já se sabe, decorreu do facto de o seu pai ter naquele tempo desencantado um método para conseguir fazer um vinho que ao corpo e estrutura conseguisse associar a qualidade da fruta. Hoje, com os métodos de controlo das temperaturas de fermentação parece a coisa mais simples. Em 1952 foi preciso fazer chegar todos os dias a Vale Meão, em Foz Côa, um camião carregado de blocos de gelo ido de Matosinhos. Coisa de loucos!
Uma loucura, pelos vistos incentivada por Émile Peynaud, célebre professor da Escola de Enologia de Bordéus e responsável por muito do moderno conhecimento enológico. O problema de Fernando Nicolau de Almeida eram os vinhos Verdes, que queria exportar para o Brasil mas que refermentavam e rebentavam as garrafas.
Peynaud tinha por essa época descoberto o fenómeno da fermentação maloláctica e explicado a forma de a controlar. A Ferreira arranjou forma de o trazer até às suas caves de Gaia, onde acabou naturalmente por provar muitas coisas. E foi rápida a reacção quando provou os mostos de Vale Meão: Porque é que andam a perder tempo com isto?, disparou, apontando para os vinhos Verdes que estava a analisar.