A juventude precisa de um futuro, não de uma jornada

“Não temam, não tenham medo”, disse Francisco aos jovens. Mas o Papa já olhou para os valores de uma casa em Lisboa? Metem medo, e só a força da juventude conseguirá mudar isso.

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Megafone P3: A juventude precisa de um futuro, não de uma Jornada NFS Nuno Ferreira Santos
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Nos últimos dias soube que me iam aumentar a renda. Sondei uns amigos e depressa percebemos que um total de cinco pessoas, todos na casa dos 20, dois casais, três imigrantes, dois mestrandos a receber um salário alemão, todos juntos não conseguiríamos dividir uma casa em Lisboa que batesse a renda que cada um de nós paga por um quarto.

No dia seguinte estava à conversa com colegas no trabalho, outra vez cinco, outra vez todos na casa dos 20, e outra vez chegámos à conclusão de que nenhum de nós conseguiria alugar uma casa com os valores do mercado, sozinhos ou em casal. Nenhum de nós conseguiria comprar uma casa. Nenhum de nós conseguiria aguentar a despesa de ter um filho. E nenhum de nós consegue afastar realmente a possibilidade de um dia ter de emigrar.

A cruel ironia está, obviamente, no facto de que nesses mesmos dias se vivia em Lisboa um evento que clamava pela juventude, pelas suas necessidades, aspirações e pela sua participação na sociedade.

Evento este que falhou — pelo seu distanciamento do dia-a-dia, pelo seu abraço ao status quo, pela sua natureza — em dar uma voz verdadeira ao jovens que vivem cada vez mais uma sociedade que lhes é hostil e que lhes cria um futuro assustadoramente incerto.

Afinal, foram os mesmos políticos que se recusam constantemente a acabar com as propinas, a aumentar os salários reais, a criar oferta de habitação pública que faça jus à procura, a fomentar a criação de emprego digno que estiveram uma semana inteira a usar a juventude como enfeite de lapela. Afinal, foi protagonizada a espiritualidade, mas os nossos problemas são cada vez mais materiais.

Esta juventude conhece cada vez mais amigos que emigram, é cada vez mais incapaz de fugir da precariedade e de começar uma família. Esta juventude não precisava de uma jornada, mas precisa, urgentemente, de um futuro.

Vimos também, durante uma semana, a enorme capacidade de um Estado que mobiliza a sociedade (nas suas esferas institucionais e públicas) para um grande objectivo. De repente, vimos como é possível garantir que tanta gente tem asseguradas roupas limpas, refeições decentes, um local para dormir e transportes. Só somos dignos deste esforço quando ele é performativo?

Responder-me-ão e bem que não é possível comparar a organização de um evento às necessidades quotidianas da sociedade. Digo "e bem" porque receber 1,5 milhões de pessoas é incomparável a garantir o auxílio temporário às apenas oito mil em condição de sem-abrigo e às 300 mil que passam fome. De facto, é impossível comparar gastar quatro milhões de euros para um único palco e gastar quatro milhões de euros na intervenção junto de pessoas em situação de sem-abrigo durante todo o ano de 2023 (que é o que consta no Orçamento da Câmara Municipal de Lisboa para este ano).

Não é possível comparar fazer boa figura para o exterior a capacitar os mais vulneráveis da nossa sociedade com os direitos garantidos na nossa Constituição (o direito à habitação ou ao emprego digno, por exemplo). É mais difícil, mas é suposto apenas nos mobilizarmos enquanto sociedade para o que é fácil?

Apregoando a juventude, não é de todo possível deixar a que cá está ao abandono, negar-lhe educação e habitação, remetê-la à precariedade, e condicionar-lhe o seu futuro, deixando-a à incerteza. Apregoando a mensagem de Cristo, não é possível ser indiferente ou hostil ao próximo que se amaria como ao próprio. Não é possível compactuar com um sistema que precisa da miséria para funcionar.

Para além da hipocrisia de quem repetidamente bloqueia qualquer mudança estrutural no estado das coisas, conclui-se o mesmo que esteve à vista durante a pandemia: que se o Estado quiser, encontra meios para mudar rapidamente a realidade de todos nós.

À pergunta "então porque não faz mais para garantir futuro à juventude e uma vida digna a tantos que não a têm hoje?" A resposta: porque quem beneficia do estado actual das coisas não quer abdicar dos maiores lucros da história, que pagam também os fatos de quem, hipocritamente, põe a juventude na lapela, mas apenas por uns dias.

Resta dar à juventude a certeza de que está nas suas mãos construir um futuro melhor para todos. E que para isso precisa de se organizar, de criar diálogo e protesto, ser forte, metódica e criativa. E, realmente, como disse Francisco, não ter medo. Não porque tem fé, mas porque tem um mundo a ganhar.

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