O Sara Ocidental e Timor-Leste: povos irmãos na luta pela liberdade

Aprenderá Marrocos com as lições da ocupação indonésia de Timor-Leste? Compreenderá que a marcha do povo do Sara Ocidental para a liberdade é imparável?

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O artigo publicado pelo embaixador de Marrocos em Portugal em resposta ao artigo "O Governo e o Sara Ocidental – um caso de incoerência", da autoria do Dr. José Manuel Pureza, é um excelente exemplo de desinformação e de puras mentiras. Mostra também que o embaixador em questão não sabe separar a realidade da ficção. As semelhanças históricas, jurídicas e políticas entre o caso do Sara Ocidental (ao qual o embaixador dá um outro nome, que não é reconhecido pelas Nações Unidas) e Timor-Leste são evidentes. Não é de estranhar que as semelhanças entre estes dois casos tenham sido sublinhadas por muitos especialistas e analistas de todo o mundo.

Na sua resposta, o embaixador de Marrocos invoca, de forma errática e totalmente enganadora, alguns elementos "geográficos", "etno-sociológicos", "históricos", "jurídicos" e "políticos" para demonstrar que o Sara Ocidental não é geográfica e etnicamente diferente e distinto de Marrocos.

O espaço não permite uma análise de cada um destes elementos. Basta sublinhar que as decisões emitidas pelo Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) em 1975 e pelo Tribunal de Justiça Europeu (TJE) em 2016 confirmam que o Sara Ocidental é um território "separado e distinto" de Marrocos. O acórdão do TIJ decidiu inequivocamente que "os materiais e informações que lhe foram apresentados não estabelecem qualquer ligação de soberania territorial entre o território do Sara Ocidental e o Reino de Marrocos ou a entidade mauritana". A decisão do TIJ confirmou, assim, que as reivindicações marroquinas sobre o Sara Ocidental, alegadamente baseadas em laços históricos, étnicos e culturais, não têm qualquer base factual ou jurídica.

A alegada contiguidade geográfica e as semelhanças étnicas e culturais entre um determinado país e os seus vizinhos nunca justificam a ocupação forçada de nenhum deles por parte desse país, nem podem ser evocadas como argumento, porque isso poria em causa todo o equilíbrio e as bases em que assenta o nosso mundo contemporâneo. Aliás, foram estes mesmos "argumentos" que a Indonésia utilizou para tentar justificar a sua ocupação de Timor-Leste, em dezembro de 1975, apelando, entre outros, aos antigos reinos de Srivijaya e Majapahit. O Iraque também utilizou o mesmo argumento "histórico" para invadir o Kuwait em 1990.

O embaixador afirma que foi Marrocos que apresentou a questão do Sara Ocidental à 4.ª Comissão da Assembleia Geral. Os registos oficiais da Assembleia Geral da ONU desmentem esta afirmação. Basta recordar a 1506.ª reunião da 4.ª Comissão da ONU, realizada em Nova Iorque a 9 de dezembro de 1963, na qual o representante marroquino exprimiu oficialmente a sua oposição à decisão da Espanha de reconhecer o então Sara espanhol como território não autónomo e de aceitar transmitir informações sobre o território, em conformidade com a alínea e) do artigo 73.º da Carta da ONU.

O facto de Marrocos ter reivindicado o Sara Ocidental na década de 1960 não lhe dá qualquer crédito por ter abordado a questão na ONU. Mas Marrocos pode atribuir a si próprio o mérito (que mais tarde se revelou um embaraço) de colocar "o problema da Mauritânia" na agenda da 50.ª sessão da Assembleia Geral em 1960, com base na alegação de que Marrocos tinha direitos legítimos sobre a Mauritânia.

Para além da ocupação ilegal do Sara Ocidental, Marrocos também atacou a Argélia em outubro de 1963 e a Espanha (ilha de Perejil) em julho de 2002, sempre na prossecução das suas ambições coloniais e sonhos expansionistas.

O embaixador de Marrocos argumenta que Timor foi colocado pela ONU ao abrigo do capítulo VII da Carta das Nações Unidas, enquanto o Sara Ocidental foi colocado ao abrigo do capítulo VI. É um facto bem conhecido que, desde 1960 até ao reconhecimento da sua independência, em 2002, Timor foi incluído na lista da ONU de Territórios Não Autónomos, tal como o Sara Ocidental foi incluído na mesma lista desde dezembro de 1963.

O facto que o embaixador tenta esconder, deliberadamente ou por pura ignorância, é que Timor-Leste só foi tratado ao abrigo do Capítulo VII após o referendo realizado a 30 de agosto de 1999 sob a supervisão da ONU. As operações de manutenção da paz da INTERFET e da UNTAET foram estabelecidas pelo Conselho de Segurança, ao abrigo do Capítulo VII, em setembro e outubro de 1999, respetivamente, precisamente para fazer face à violência levada a cabo pelas milícias anti-independência criadas e lideradas pelos militares indonésios.

O embaixador de Marrocos afirma que o secretário-geral da ONU concluiu no seu relatório (S/2000/131) que "o acordo era inaplicável", o que é uma afirmação enganadora. Foi Marrocos que bloqueou a aplicação do Plano de Resolução, que foi mutuamente aceite pelas duas partes em 1988 e aprovado por unanimidade pelo Conselho de Segurança em 1990 e 1991. Mais concretamente, no parágrafo 48 do seu relatório (S/2002/178), apresentado ao Conselho de Segurança a 19 de fevereiro de 2002, o secretário-geral da ONU afirma que "Marrocos manifestou a sua indisponibilidade para prosseguir com o Plano de Resolução". O processo de paz no Sara Ocidental não avançou simplesmente porque Marrocos receou que qualquer referendo livre e democrático, baseado em eleitores determinados pela ONU, conduzisse à independência do Sara Ocidental.

O embaixador de Marrocos refere-se às resoluções do Conselho de Segurança e afirma falsamente que elas reconhecem a "preponderância" dos esforços de Marrocos. Esta é uma deturpação da linguagem das resoluções do Conselho de Segurança, incluindo a resolução 2654 (2022), que apelam a "uma solução política justa, duradoura e mutuamente aceitável, que permita a autodeterminação do povo do Sara Ocidental".

Isto significa que nenhuma solução pode ser justa ou duradoura se não permitir o direito inalienável do povo do Sara Ocidental à autodeterminação, que só pode ser exercido através de um processo credível, democrático e genuíno sob a supervisão da ONU.

A chamada "proposta de autonomia" marroquina, para além da sua ilegalidade, emana de um regime autoritário que apenas procura legitimar a sua ocupação forçada de partes do Sara Ocidental.

De facto, existem paralelos notáveis não só entre os casos do Sara Ocidental e de Timor-Leste, mas também entre Marrocos e a Indonésia.

Marrocos, juntamente com a Indonésia, votou contra as resoluções da Assembleia Geral da ONU sobre Timor-Leste, a começar pela resolução A/RES/31/53 de 1 de dezembro de 1976, que reafirmava o direito do povo de Timor-Leste à autodeterminação e à independência e a legitimidade da sua luta para alcançar esse direito. Por exemplo, na reunião da 4.ª Comissão de 26 de outubro de 1976, tanto a Indonésia como Marrocos se opuseram à audição dos representantes da Fretilin e da Frente Polisario, respetivamente.

Desde 1976, os representantes indonésios na ONU continuavam a afirmar que o povo de Timor-Leste já tinha exercido o seu direito à autodeterminação. Em junho de 1997, dois anos antes do referendo em Timor-Leste, a Indonésia voltou a afirmar perante o Comité de Descolonização que "Timor-Leste já não é uma questão de descolonização", depois de "o povo ter optado pela independência através da integração na Indonésia".

Não admira que Marrocos repita as mesmas afirmações na ONU e não só. De facto, a história repete-se, e o que vemos hoje no Sara Ocidental ocupado faz-nos lembrar Timor-Leste sob a ocupação indonésia.

A luta de libertação do povo de Timor-Leste fez finalmente com que a Indonésia se apercebesse de que a sua ocupação do território era insustentável e que a única saída era permitir que o povo de Timor-Leste exercesse, de forma autêntica e livre, o seu direito à autodeterminação e à independência. Após décadas de ocupação e anexação, Timor-Leste é atualmente um país independente e soberano que vive em paz com os seus vizinhos, incluindo a Indonésia. É também um país que mantém relações estreitas de solidariedade e cooperação com a República Saraui (RASD).

A questão é: aprenderá Marrocos com as lições da ocupação indonésia de Timor-Leste? Compreenderá que a marcha do povo do Sara Ocidental para a liberdade, sob a direção da Frente Polisario, é imparável e que, mais cedo ou mais tarde, o povo saraui conquistará a sua soberania?

Quanto mais cedo Marrocos se aperceber desta realidade irreversível, tanto melhor para a paz e a segurança na região.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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