A obesidade pode ser tratada, mas a que custo?

A OMS considerou-a “a epidemia do século XXI”. O surgimento de medicamentos injectáveis deu esperanças e tornou-se moda, mas a sua utilização deve ser vigiada, defendem os especialistas consultados.

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"A prevalência de adultos obesos tem vindo claramente a aumentar no nosso país", Pedro Narra Figueiredo, indicando uma estimativa de 28,1% (homens) e 26,3% (mulheres) em 2025. ADRIANO MIRANDA
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É considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) a “epidemia do século XXI”. O organismo das Nações Unidas deu a conhecer números assustadores sobre a obesidade: mais de 1900 milhões de adultos vivem com excesso de peso e existiam, em 2014, a nível global, 41 milhões de crianças com menos de cinco anos com excesso de peso ou obesidade. Sobre Portugal sabe-se que, nesse mesmo ano, 52,8% da população adulta, bem como 31,6% das crianças entre os 6 e os 8 anos sofriam do problema.

Pedro Narra Figueiredo, presidente da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia (SPG), confirmou ao PÚBLICO que o futuro próximo não é risonho: “O risco de obesidade em Portugal é elevado e a prevalência de adultos obesos tem vindo claramente a aumentar no nosso país, sendo de esperar uma prevalência, em 2025, de 28,1% para os homens e 26,3% para as mulheres.” Para o médico, o controlo deste problema passa necessariamente por medidas de prevenção de educação para a saúde.

John Preto, cirurgião especialista em obesidade do Hospital de São João, no Porto, e vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Cirurgia de Obesidade (SPCO), concorda com o colega: “Para controlar de forma eficaz a obesidade no futuro próximo, é necessária uma aposta firme na sua prevenção. Têm de ser implementados programas de prevenção em toda a população (nomeadamente nos mais jovens), que visem estilos de vida mais saudáveis, e de forma urgente, pois sabemos que programas deste género podem levar décadas até produzirem resultados visíveis na população, nomeadamente mais saúde.”

Medicamentos para perder peso?

Contrariando o desejo da aposta na consciencialização, têm surgido no mercado medicamentos injectáveis que têm como princípio activo o semaglutido, casos do Ozempic e do Wegowy, e que estarão a ser utilizados de forma errada, na procura de um “corpo de Verão”. Em Outubro de 2022, o PÚBLICO alertava para o surgimento destas substâncias e, inclusive, para a ruptura de stocks. A situação prejudicou, sobretudo, os diabéticos, a quem os fármacos se destinam primariamente. A fama adquirida nas redes sociais e a utilização por celebridades terão contribuído para a procura desenfreada destes químicos.

Paulo Oliveira, investigador do Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra, afirma: “É um facto que o consumo destes medicamentos leva a uma redução do peso corporal, ainda que modesta, e com isso estes ganharam popularidade. Mas isso não resolve o problema de fundo, que é o que realmente contribui para o excesso de peso ou a obesidade de quem o toma.”

O cientista acrescenta que “não só a manutenção dos efeitos dos medicamentos obriga a uma toma contínua (isto é, caso a pessoa deixe de tomar, recupera rapidamente o peso original, se outras medidas não tiverem sido tomadas), como há uma série de efeitos indesejados que podem ocorrer com tomas mais prolongadas”.

Para Pedro Narra Figueiredo, “trata-se de usar o medicamento numa indicação que não é a aprovada, sendo essa uma utilização tecnicamente denominada ‘off label’”. “A questão da sua utilização deve estar a cargo de médicos devidamente credenciados para o efeito. Acontece que o controlo da prescrição destes medicamentos, ao contrário do que se passa em outros casos, não é muito eficaz.

Por outro lado, é necessário tornar claro aos doentes que o tratamento da obesidade tem vários componentes que não se esgotam na toma de um medicamento que, muitas vezes, tem um efeito apenas transitório. “É necessária a conjugação de várias especialidades”, defende o presidente da SPG. Já John Preto lembra o perigo da toma errada de medicamentos como o Ozempic: “Se forem utilizados de forma indevida e sem acompanhamento médico adequado, podem ter efeitos secundários indesejáveis, nomeadamente gastrointestinais, cardíacos e pancreáticos.”

Paulo Oliveira lembra que “o excesso de peso e a obesidade são altamente preveníveis”, mas deixa uma crítica às autoridades competentes: “As iniciativas governamentais e de saúde têm sido algo ineficazes, também porque estão limitadas a modificar o comportamento individual, em vez das causas estruturais subjacentes.”

O investigador refere que existem factores socioeconómicos que não podem ser negligenciados quando se olha para o problema do ponto de vista científico, nomeadamente no caso dos jovens. “Por exemplo, estilos de vida sedentários, etnia, factores psicológicos, saúde mental e efeitos secundários de medicamentos, como os antipsicóticos.” Oliveira acrescenta ainda: “Determinantes socioeconómicos e ambientais são frequentemente ponderados de forma diferente entre países e populações urbanas ou rurais e incluem o acesso a alimentos nutritivos, o conhecimento de dietas saudáveis, normas e valores culturais, e poluentes ambientais.”

Sob o peso da expressão usada pela OMS, num século que ainda não vai a meio, torna-se premente saber qual será o futuro da obesidade, como será feito o combate ao problema e de que forma pode a evolução tecnológica auxiliar as ciências médicas na luta a travar.

Paulo Oliveira sugere que a medicina deve “recorrer a estratégias de análise factorial, envolvendo tecnologias como a inteligência artificial, de modo a poder traçar um quadro mais assertivo dos determinantes de obesidade mais importantes, para que possa actuar a esse nível”. E lembra ainda: “Um grande projecto europeu, coordenado pela Universidade de Coimbra e com a participação de vários parceiros nacionais e europeus, tem justamente como objectivo, entre outros, o desenvolvimento de um algoritmo, com recurso a inteligência artificial, que nos permita estudar com mais exactidão os determinantes da obesidade para uma actuação mais eficaz em grupos etários mais vulneráveis.”

Pedro Narra Figueiredo junta a sua voz à do investigador da Universidade de Coimbra: “O desenvolvimento de algoritmos que permitam predizer qual a probabilidade de determinadas pessoas virem a desenvolver obesidade e que possam propor uma dieta individualizada para cada caso será, seguramente, uma ferramenta importante neste contexto.”

John Preto alinha na ideia de que as novas tecnologias – com destaque para a inteligência artificial – terão um contributo importante no combate a diversas doenças, nomeadamente a obesidade. “Acredito que irão ter um papel igualmente importante nos programas de prevenção, sobretudo na definição das melhores estratégias a implementar consoante as características da população-alvo”, acrescenta o médico do Hospital de São João.

O futuro da saúde é o tema do novo episódio do videocast Perguntar Futuro, disponível​. À conversa com Diana Duarte estão o clínico e ex-bastonário da Ordem dos Médicos Germano de Sousa, e Luís Valente, da startup de cuidados de saúde personalizados iLoF.

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